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Para não espatifar

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Por Redação
Atualização:

Todo grande time começa por um grande goleiro. Como toda regra tem sua exceção, não será preciso lembrar desse provérbio para relativizar a frase de abertura. Basta lembrar a seleção de 70. Mas que falta que fazem os grandes goleiros aos times que se acostumaram a tê-los como obstáculo intransponível debaixo do travessão. Um bom exemplo é o São Paulo dos dias de hoje. O que está acontecendo com o campeão brasileiro é um mistério indecifrável. A queda brutal de rendimento não só do time, mas de alguns jogadores, é assustadora. Explicações? Só mesmo aqueles que estão ali dentro poderiam apresentar. Daqui de fora só especulações. Mas há um dado que não pode ser desconsiderado: desde a contusão de Rogério Ceni as coisas degringolaram no time do Morumbi. E é pouco provável que seja apenas uma coincidência. Sem o seu capitão em campo o São Paulo perdeu o rumo, perdeu todas as partidas que não podia perder, perdeu também seu técnico e parece ter perdido a confiança. É um dos maiores clichês do futebol dizer que só vai para o gol quem não sabe jogar direito. Sempre admirei a opção daqueles que pediam a camisa número 1. Nos tempos do Equipe, tínhamos um time de futebol de campo chamado Papagaio. Não era exatamente um time vencedor, embora contasse com jogadores habilidosos no meio-campo. Mas a nossa reputação só não era pior por causa do monumental goleiro Cao Hamburguer. Com defesas espetaculares, saídas providenciais e corajosas, incrível reflexo e impressionante elasticidade, o grande cineasta de hoje certamente dividiu por dois a quantidade de gols que deveriam ter vazado a meta de nosso time arrojado. Outro grande goleiro foi Paulo Miklos, a quem conheci nas quadras de salão da Martiniano de Carvalho e que depois garantiu anos de invencibilidade dos Leões da Babilônia, o time dos Titãs. Não saberia dizer se há entre os goleiros alguma característica que os diferencie dos demais jogadores. Dizem que eles são pacatos. Não creio. Obrigatoriamente têm de ser altos, mas há casos de bons goleiros baixos que desmentem essa prerrogativa. Só sei que com um bom goleiro as coisas começam com um mínimo de estabilidade. Além da condição especialíssima de poderem usar as mãos, os goleiros estão ali para impedir aquilo que é a razão do jogo: o gol. Dessa forma os goleiros têm um grau maior de responsabilidade do que os outros. (Será? Certamente os goleiros não concordam com isso). Talvez responsabilidade não seja a palavra mais precisa. Seria melhor dizer que os goleiros podem ter um grau de culpabilidade que faz com que a pressão sobre suas costas seja maior do que a pressão que age sobre os outros. Por exemplo, é preciso ter um tremendo sangue frio para encarar um batedor de pênalti. Ou um grau absurdo de serenidade para buscar a bola no fundo das redes. Imagine, então, o que deve ser o estágio de elevação espiritual para superar a humilhação de tomar um tremendo frango? É preciso ser muito corajoso para jogar no gol. Gosto de pensar que há em cada um de nós um aspecto "goleiro". Imagino esse nosso íntimo guarda-metas como uma espécie de leme de sensatez, fruto de um conjunto de noções de equilíbrio e proteção, mas que se fundem com uma tendência desafiadora e agressiva que sempre gosta quando a vida nos coloca em situações limites. "E agora José, como vamos sair dessa?" Nesses momentos é preciso dar saltos suicidas sem medo de se esfolar ou se espatifar no chão; não importa o sacrifício, não importa a dor, o fundamental é não deixar a nossa rede balançar.

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