Para resgatar a graça do futebol

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Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Humor e futebol sempre andaram juntos. Como arte popular genuína o futebol abriga muitas das melhores manifestações do povo brasileiro, entre elas um incrível senso de humor. Para quem pensa que isso acabou é só pensar na realidade que nos cerca e constatar que sem o proverbial bom humor dos brasileiros haveria longas filas nas pontes do Tietê com populares esperando a vez de se atirarem na água com o devido pedregulho atado ao pescoço. Sem dúvida o humor ainda existe, apenas não o vemos tão freqüentemente. Sim, ultimamente o futebol ficou muito mais triste. Passou a exibir a tristeza dos escritórios, as tensões dos departamentos de vendas, a competitividade e as cotoveladas das grandes concorrências. Enfim, ficou sério. É claro que isso tudo é apenas aparência, e como se pode ver todos os dias nos jornais há muito pouca coisa séria no futebol. Costuma-se confundir seriedade com melancolia. Fora a violência, sobre a qual é melhor nem falar. Um dos sintomas mais evidentes dessa fase sombria do futebol é sua quase completa ausência dos programas humorísticos. É verdade também que a qualidade dos próprios programas humorísticos é freqüentemente lamentável. De qualquer forma seria difícil, por exemplo, ocorrer a qualquer redator de humor da TV algum tipo como o craque Coalhada, criação genial de Chico Anísio. Concordo, é claro, que o material original se tornou empobrecido. Aqueles dirigentes toscos, quase caricaturais na sua esperteza cômica, que falavam errado e quase se orgulhavam disso, não existem mais. Foram substituídos por pessoas mais conformes às normas, vestidas um pouco melhor, tentando se passar por executivos, sem o folclore, a espontaneidade hilariante dos primeiros, conservando destes apenas a proverbial incompetência. Essa não muda. E desses não conseguimos sequer rir. Mas nem tudo é tão sombrio. Mesmo no campo, de repente surge, como um fantasma de outros tempos, um Valdivia para de novo arrancar risadas. Hoje já há quem vá ao estádio só para vê-lo e a suas fintas, algumas gratuitas, mas trazendo o humor de volta ao jogo. Fora do campo também há aqui e ali manifestações do velho talento brasileiro para jogar bola e rir. Acabo de ver um comercial digno das nossas melhores tradições no campo do humor e do futebol. E da publicidade. É uma promoção do jornal esportivo Lance!, que oferece como recompensa a primeira camisa que Pelé usou no Santos. Pelé como garoto propaganda é algo tão batido que dificilmente se encontraria meio de utilizá-lo criativamente. A W/Brasil encontrou. O comercial se passa nas ruas de Buenos Aires, é todo falado em espanhol, com a promoção oferecida a cidadãos argentinos que queiram ter a camisa do "maior camisa dez de todos os tempos". Quando a pessoa se dá conta que é a Pelé que o apresentador alude, quando fala no maior dez de todos os tempos, as reações são impagáveis, muito divertidas. É um comercial exemplar, com vulgaridade e efeitos imbecis substituídos por inteligência, criatividade e imaginação. De quebra brinca com os hermanos sem apelar para bordões surrados, quase ofensivos, que vemos freqüentemente nas transmissões esportivas da Libertadores. Tenho certeza de que todo argentino inteligente também se divertirá com esse comercial do melhor camisa dez de todos os tempos. Humor e futebol em grande estilo.

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