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Pequenas grandes diferenças

Por Marcos Caetano
Atualização:

Não é surpresa a quantidade de medalhas que o Brasil vem conquistando no Pan. O que me surpreende é que ainda sobreviva, em parte da torcida e em alguns comentaristas, a sensação de que nem a alegria das vitórias inesperadas é capaz de compensar a frustração das derrotas nas modalidades nas quais nos julgávamos favoritos. É comum ficarmos nos perguntando por que nossos atletas deixam escapar conquistas importantes após terem chegado tão perto delas. Por que Poliana Okimoto perdeu a maratona aquática de 10 km por uma batida de mão? Como pôde Jade Barbosa cair durante o exercício das assimétricas, que lhe daria o ouro na competição individual por aparelhos? O que faltou para as meninas do vôlei? A primeira reação de muita gente é dizer que faltou garra ou que os brasileiros têm o hábito de morrer na praia, entre outras bobagens, como se a performance atlética fosse definida apenas por questões de caráter. É verdade que certas vezes os atletas são derrotados pelas próprias mentes, deixando-se dominar por adversários em piores condições técnicas, mas com claras sobras psicológicas. Foi o caso da excelente seleção argentina de futebol, que tremeu nas bases e perdeu de forma desonrosa a final da Copa América para o valente time B do Brasil. Mas, na maioria das ocasiões, as derrotas têm outras razões. Perdemos "por uma fração de segundo", "porque desperdiçamos set points", "por uma braçada", "por distração" - costumamos dizer, quando o ouro nos escapa por detalhes. O esporte, no entanto, é feito de detalhes. Competições de alto rendimento não têm esse nome por acaso. Pressupõe que os atletas que disputam o título têm marcas expressivas, que se aproximam dos limites do homem e que, portanto, se diferenciam por centímetros, polegadas, gramas ou frações de segundo. Um segundo numa prova de 100 metros rasos é o que separa um atleta de ponta de um medíocre. Uma braçada, na natação, é uma eternidade. A queda de um aparelho faz parte de vida de um ginasta. E o bloqueio das cubanas não é obra de ficção. Esses riscos existem. E guardam muito mais relação com anos de treinamento, milhões de dólares de investimento e com o modelo esportivo de um país do que com a falta de determinação de um atleta. Poliana perdeu para uma norte-americana; as meninas do vôlei, para as cubanas. Atletas cubanos ou norte-americanos são atletas - e só atletas - desde que se dão por gente. Grande parte dos atletas brasileiros não consegue viver apenas do esporte, ao contrário dos atletas dos dois países que lideram o Pan, que contam com patrocínios e investimentos estatais ou de empresas e universidades. Cubanos e norte-americanos, que não poderiam ser mais divergentes politicamente, coincidem no seguinte: formação universitária de ponta e acompanhamento desde a pré-adolescência por técnicos, preparadores físicos, nutricionistas e psicólogos são fundamentais para o bom rendimento do esportista. Por conta disso, coisas como a singela braçada, os detalhes na execução de um exercício, a fração de segundo na reta final ou a pequena dúvida na hora da cortada que fecharia o jogo representam enormes abismos a serem transpostos. E tudo isso só torna ainda mais extraordinárias as façanhas de nossos atletas em modalidades das quais pouco ouvimos falar, como o badminton, o halterofilismo, o tae kwon do, a esgrima, entre tantos que garantiram medalhas para o Brasil. Prefiro celebrá-las a lamentar o que poderia ter sido e não foi.

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