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Praças e parques, a ''casa'' dos chineses

Eles se reúnem para conversar e jogar

Por Cláudia Trevisan
Atualização:

A vida dos chineses não acontece entre quatro paredes, mas sim nas praças, parques e calçadas das cidades, onde vizinhos, amigos e desconhecidos se reúnem para jogar, dançar, cantar, se exercitar ou simplesmente conversar. Talvez por serem muitos, os habitantes do antigo Império do Meio também têm uma noção de privacidade distinta da ocidental, e não é raro ver um casal passear de pijama nos hutongs (becos ou ruas pequenas) de Pequim. O amanhecer da capital chinesa tem paisagem peculiar, salpicada por grupos de pessoas que praticam tai chi chuan, fazem ginástica, caminham ou mantêm vivas algumas das tradições do país, como a dança do leque, executada com habilidade por mulheres. Ao anoitecer, surgem salões de baile ao ar livre, abertos a todos e animados por aparelhos de som levados na garupa de bicicletas. Mas o lugar por excelência da manifestação do espírito gregário dos chineses são os hutongs, o modelo de moradia que prevaleceu em Pequim desde a dinastia Yuan (1271-1368). Fundada pelo invasor mongol Kublai Khan, neto de Genghis Khan, a dinastia foi a primeira a ter Pequim como capital - na época, a cidade se chamava Dadu. Em ruas estreitas ladeadas por casas com pátios internos, os hutongs ocupavam toda a cidade até a Revolução Comunista de 1949, quando começaram a ser destruídos para dar lugar a largas avenidas e edifícios. A destruição se acelerou nesta década, na medida em que Pequim se transformava para receber a Olimpíada de 2008. Os hutongs que sobreviveram também passaram por transformações depois de 1949 e as casas foram divididas para abrigar várias famílias onde antes só vivia uma. O espaço é reduzido e muitas atividades domésticas são realizadas nos pátios internos ou na rua, como cozinhar e comer. As casas também não têm banheiro e os moradores usam toaletes e casas de banho públicas. Empurrados para a rua, os moradores dos hutongs acabaram desenvolvendo hábitos gregários e parecerem viver em um tempo distinto do que envolve o restante da cidade. Vizinhos conversam nas esquinas, tomam chá em pequenas mesas colocadas nas calçadas e jogam longas rodadas de cartas, xadrez, damas ou mhajong, o jogo mais popular da China e provavelmente do mundo. Jogar é um hábito fortemente arraigado na sociedade chinesa e costuma ser praticado amplamente em locais públicos, como praças, parques, bares e salas de espera dos aeroportos. Nos hutongs, as partidas despertam a curiosidade dos vizinhos, que costumam formar círculos ao redor dos jogadores e assistir ao embate durante horas. A grande dúvida hoje é saber se o espírito gregário dos chineses vai sucumbir à verticalização e modernização das cidades ou sobreviverá nos parques e praças do país, apesar da crescente ocidentalização.

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