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Premonição cumprida

Boleiros

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Por Redação
Atualização:

O primeiro sinal veio no domingo, por volta das 5 da tarde, nas cercanias de um simpático estádio de futebol onde ocorria um jogo que mobilizou parte da cidade. O céu não estava escuro ainda, mas as nuvens que zanzavam pelo azul emprestavam à tarde ar místico, que mais tarde viria se revelar premonitório. Entre as palmeiras que enfeitavam os corredores de pedra, psitacídeos desgovernados anunciavam a presença do invasor indesejado. As poucas sementes despencadas no verde do chão denunciavam que o banquete havia sido interrompido às pressas. Sem vestígios de penas que afiançassem a abundância das aves que ali banquetearam, sobrou a surpresa dos que não estavam ali. Os pássaros foram os primeiros a intuírem o movimento e deixarem o recinto por segurança e precaução, assim como os elefantes que pressentiram o tsunami; no local, só sobraram os homens. O gás surgiu repentinamente. Sem explicação de sua origem, num ambiente fechado espalhou as toxinas de seu ardor. Um dos grupos de atletas que por ali se enfrentavam teve alterada a rotina dos seus procedimentos. A balbúrdia das arquibancadas impediu que se visse o fato sem os tons de alegria da euforia selvagem. Os olhos vermelhos perdiam no congestionamento de seus capilares intumescidos para a confluência do verde presente no mesmo espaço, majoritário. No cenário central da partida, imperadores importados e pretendentes a magos saçaricavam suas ousadias. Com uma dança patética oriunda do Pacífico, o druida folião franjado celebrou a vitória de seu grupo, com irreverência e bestialidade. Nesse instante o céu escureceu e os seguidores do arrelia julgaram ver a aurora do cometa da Anunciação. O falso alarme deu ares dramáticos ao simulacro do ato profano. Era apenas o princípio da revelação. Nessa mesma tarde, num logradouro inesperado e mais ao Sul, um sacerdote alucinado resolveu contemplar in loco e com seus próprios olhos o altar intangível da Ressurreição. Erguido por mil balões angelicais e coloridos, a bordo de um cesto frugal e infantil, subiu aos céus carregado pelos anjos disfarçados de bexigas expandidas com gás hélio. A tabela periódica trabalhava ensandecida e sem interrupção. A galhofa do reverendo deixou aturdidos os olhos das testemunhas que sumiam na terra cada vez mais distante. Seu veículo suicida extrapolava a estratosfera e reduzia a grãos os discípulos que assistiram à sua missa benemérita e desgraçada. Perguntado sobre o risco que trazia o dia enxaguado em chuva, respondeu peremptório, esbaldado em profunda discrepância: ''Acima do teto das nuvens só há de haver o Sol divino e maravilhado''. E assim sumiu, sem deixar outros vestígios se não as cascas de sua carruagem despetalada. O mar trouxe de volta as migalhas do pão seco do sangue e sem o vinho de sua tintura enfeitiçada. Foi assim, dando seqüência a um domingo de espanto entremeado por vingança em espírito de revanche, após o silêncio do juízo de um enforcado que enforcou a segunda, que a terça-feira nos trouxe o verdadeiro terremoto. O abalo que chacoalhou com ineditismo e orgulho parte até então intacta e inatacada do solo do pobre país nosso, fez vir à luz a centelha e a explicação do gás sem pai nem mãe, sem certidão de autoria ou requisição pelo atentado. De uma pequena fratura geológica ele surgiu - o gás!, antecipando o terremoto que abalou São Paulo.

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