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Justiça dá bolsa integral para atleta que não disputou Paralimpíada e abre brecha para mais pedidos

André Dutra, que é atleta paralímpico de remo e dirigente da Federação da categoria, ganhou o direito ao benefício de R$ 3.100 somente dado à elite do esporte

Por João Prata
Atualização:

O presidente da Federação Catarinense de Remo, André Dutra, encontrou brecha na lei do Bolsa-Atleta e ganhou dois processos na Justiça contra o então Ministério do Esporte. Mesmo sem disputar uma edição dos Jogos Paralímpicos desde Pequim-2008, ele conseguiu nos dois últimos ciclos, de 2012 até hoje, receber o valor mensal de R$ 3.100. Pela lei, esse benefício deveria ser pago somente a atletas que disputaram a edição mais recente de uma Paralimpíada.

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André ficou fora dos Jogos de Londres-2012 e do Rio-2016. Por isso, logo após essas duas competições, foi contemplado para receber o Bolsa-Atleta na categoria nacional, que paga R$ 925. Ele acionou a Justiça em 2013 e também em 2018 e conseguiu nas duas ocasiões a alteração para a categoria paralímpica. Ou seja, nos últimos oito anos, em vez de receber o total de R$ 86.400, ele ganhou R$ 297.600 - mais do que o triplo do valor previsto inicialmente.

O Bolsa-Atleta foi instituído pela lei nº 10.891, de 2004. Inicialmente, essa lei diz que para ser contemplado na categoria paralímpica precisa "ter participado de competição esportiva em âmbito nacional ou internacional no ano imediatamente anterior em que tiver sido pleiteada a concessão da Bolsa-Atleta, com exceção da Categoria Atleta Pódio".

André Dutra, presidente da Federação Catarinense de Remo Foto: Arquivo Pessoal

Em 2005, o Decreto nº 5.342 alterou esse artigo colocando como única exigência para tal benefício a participação em edição anterior dos Jogos Olímpicos/ Paralímpicos. Esse decreto, no entanto, não revogou a lei anterior. E foi aí que André Dutra se beneficiou. Ele alegou que, entre 2009 e 2012, participou de todas as competições do ciclo paralímpico e só não foi convocado para os Jogos de Londres por decisão política. Os advogados de André pediram ilegalidade do decreto e legalidade da lei inicial. A União recorreu, mas foi mantida a sentença em segunda instância entendendo o direito do André receber o benefício de R$ 3.100.

A decisão da justiça abre procedência para outros atletas na mesma condição conseguirem o mesmo benefício. 

"O processo é bem claro. Todas as informações em questão estão dentro do processo. O que aconteceu é que eu classifiquei o Brasil para ir aos Jogos e, por política, fui tirado dos Jogos. Na época, o Ministério (do Esporte) foi omisso nessa questão lá atrás", afirmou André em entrevista para o Estadão.

O que aconteceu é que eu classifiquei o Brasil para ir aos Jogos e, por política, fui tirado dos Jogos

André Dutra, presidente da Federação Catarinense de Remo

André participou dos Jogos Paralímpicos de Pequim-2008 e esteve presente nas principais competições do remo no ciclo até Londres. Mas, às vésperas dos Jogos de 2012, o remador olímpico Jairo Klug sofreu um acidente de moto e passou a competir no paralímpico. A Confederação Brasileira de Remo (CBR), na época, optou por realizar novas seletivas e escolheu Jairo.

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Na categoria barco 4 com timoneiro, que é a que André disputa, a vaga conquistada para os Jogos vai para o País e não para o atleta. Portanto, a comissão técnica pode trocar toda a equipe, se quiser. André participou do pré-olímpico e foi titular do barco que garantiu a vaga brasileira.

O coordenador técnico da Confederação Brasileira de Remo na época era José Paulo Sabadini. Foi ele que tomou a decisão de realizar a seletiva que acabou deixando André fora da Paralimpíada. "Conquistamos aquela vaga no limite, em uma competição na Sérvia. O tempo que não era dos melhores", lembrou ao Estadão.

Jairo sofreu um acidente de moto em 2009 e iniciou o processo de recuperação durante o ciclo daquela paralimpíada. André Dutra também se tornou atleta paralímpico por acidente. Um erro em uma cirurgia na perna direita comprometeu seus movimentos. Os dois disputavam a vaga no barco que era de quatro integrantes, dois homens e duas mulheres.

A decisão final para formar a equipe aconteceu na Copa do Mundo de Munique, na Alemanha, em junho de 2012, às vésperas da Paralimpíada. "Tivemos um resultado expressivo, na quinta colocação, fazendo ótimo tempo na semifinal. Durante a Copa, fizemos o rodízio de atletas e, no fim, entendemos que era melhor formar o time com o Jairo. Sempre decidimos assim: quem está melhor tem de ir."

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O barco 4 com timoneiro ficou fora dos Jogos do Rio-2016. Desde então, Jairo, por exemplo, deixou de ser beneficiado com o Bolsa-Atleta da categoria paralímpica e tem recebido nos últimos anos somente os R$ 925. André Dutra conseguiu em 2018 manter o benefício de R$ 3.100, mesmo assim.

Por meio de nota, a atual gestão da CBR, que assumiu em 2012, após os Jogos de Londres, informou que tem o histórico das seletivas digitalizados somente a partir de 2013 e por isso não poderia comentar como foi essa seletiva. Sobre o caso de André, disse que "é importante defender os critérios estabelecidos para cada modalidade de bolsa, e, ao mesmo tempo, ter como indelével o direito de cada atleta discutir às particularidades de seu caso".

O Conselho de Atletas do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) não quis entrar no mérito sobre os critérios técnicos que definiram o processo, mas demonstrou preocupação. "Entendemos que o programa Bolsa-Atleta beneficia e possibilita o treinamento de inúmeros atletas, principalmente atletas paralímpicos, que têm muita dificuldade em conseguir patrocínio. Qualquer iniciativa que possa vir inviabilizar o programa é preocupante."

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O Ministério da Cidadania também se pronunciou por meio de nota e informou que a "Secretaria Especial do Esporte recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2018, estando o processo pendente em julgamento final do mérito".

O gabinete do ministro relator Og Fernandes, responsável pelo caso no STJ, informou que o caso irá a julgamento na primeira seção, do dia 28. Ainda informou que o processo "teve decisão liminar deferindo ao atleta o usufruto da bolsa na categoria Paraolímpica."

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PRECEDENTE

A vitória de André na Justiça pode abrir precedente para outros atletas buscarem benefícios maiores do que de fato foram contemplados para receber. Especialista em direito esportivo, o advogado Wladimyr Camargos disse que não foi uma decisão tomada por um juiz, mas por um tribunal, e por isso pode dar margem para que outros atletas busquem judicialmente o direito a receber um benefício maior do que foi dado pelos critérios técnicos. "Se fosse simplesmente uma decisão singular não seria um precedente. Mas quando o tribunal decide, sim, abre precedente. Forma jurisprudência", comentou.

O advogado Filipe Rino concorda. "Abre um precedente enorme. Qualquer atleta que tenha participado de uma competição nacional ou internacional pode entrar com ação nos mesmos moldes e requerer a inscrição na categoria olímpica/paralímpica."

Para evitar que outros casos ocorram, o Ministério da Cidadania encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 2394/2019, que tenta revogar o artigo usado por André deixando apenas o critério de participar da edição mais recente dos Jogos Olímpicos/Paralímpicos. O parecer da alteração foi aprovado na Comissão do Esporte e encaminhado, em dezembro de 2019, para a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC). Neste ano, por causa da pandemia, os Projetos de Leis desse tipo de comissão não estão sendo votados, somente os do Plenário.

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