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Que dureza

Prata e bronze são metais do fracasso, embora seja difícil acreditar até mesmo neles

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Por Paulo Calçade
Atualização:

Os primeiros passos olímpicos da seleção ilustram bem a encruzilhada em que se meteu o futebol brasileiro. De um lado está a cobrança pelo resultado, baseada numa ideia antiga de que ele é fruto apenas da condição técnica excepcional que sempre nos distinguiu do resto; no outro aparece a necessidade de começarmos, embora tardiamente, a reconhecer que a composição do jogo não se restringe apenas a recursos individuais. Diante disso, se o time da África do Sul é pouco respeitado como adversário, o que dizer do Iraque, de nenhuma tradição no futebol, mesmo com um quarto lugar nos Jogos Olímpicos de 2004?  Nesse cenário, o empate diante de um país que não significa grande coisa no futebol é uma tristeza. Independentemente de análise e contexto, é mais fácil desdenhar de adversários do que entendê-los. Mas é preciso dizer que o Iraque foi ótimo e o Brasil melhorou um pouquinho na etapa final, mas foi insuficiente para encher o torcedor de esperança. O time de Micale repetiu defeitos na segunda partida de sua trajetória, mas ainda tem um longo caminho a percorrer na curta distância que o separa da possibilidade de medalha, se é que chegará tão longe. Hoje é difícil acreditar nisso, até no bronze. A decepcionante estreia fez com que o grupo reavaliasse os princípios que norteiam seu jogo. Ontem, apenas no segundo tempo os setores do time se aproximaram para evitar os espaços que facilitam a marcação, travam a criação e banham os garotos de ansiedade. Mas foi pouco, permaneceu sem finalização no interior da área e terminou com Renato Augusto como centroavante. Amargurado por um gol perdido contra os sul-africanos, Gabriel Jesus sabe que precisa se adaptar a uma nova realidade. Mesmo aparecendo centralizado, como atua no Palmeiras, na seleção a construção começa mais próxima do gol.  Há menos espaço para se movimentar e muito mais posse de bola no último terço do campo, setor que Micale chama de zona vermelha. No Palmeiras, Jesus surge lançado diante do goleiro, enquanto na seleção as triangulações são necessárias. Mais uma vez ele não conseguiu jogar, interagir com a equipe. Melhorou com Luan. Condicionamento. Do ponto de vista físico, o problema é grave. São muito jogos num período muito curto. O desgaste atingirá todas as seleções aptas a disputar medalha. Mas a brasileira precisa inverter essa lógica. Para Neymar, Renato Augusto e Rafinha Alcântara está claro que o jogo é a única forma de melhorar o condicionamento físico.  A primeira partida mostrou um distanciamento espantoso entre o que foi treinado e o que foi exibido no péssimo gramado do Estádio Mané Garrincha. Foi uma pancada muito forte na confiança, ou no excesso dela, que começava a pairar sobre o grupo. Ontem não foi diferente. Então veio o time iraquiano, taticamente surpreendente diante da Dinamarca, no sistema 3-4-3, de ótimos movimentos, mas de execução deficiente. Contra o Brasil, manteve o conceito tático, reforçou a marcação no setor de Neymar e mais uma vez surpreendeu. Os olímpicos seguem lutando, mas sabem que prata e bronze são metais do fracasso, embora seja difícil acreditar que consigam ir tão longe neste momento. A responsabilidade desse grupo é grande. A importância do evento e os nomes convocados para a missão despejaram neles toda a responsabilidade de um futebol que não ganha nada há muito tempo. Nenhum outro país transfere tanta responsabilidade a seus jogadores, inclusive quando não tem nada a ver com o jogo.  A loucura do futebol levou muita gente a infantilizar a forma de se relacionar com clubes e seleção brasileira. É de chorar. Vem muita pancada por aí.

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