Que jogo você viu?

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colunista convidado
Por Luiz Zanin
Atualização:

Se Robinho tivesse marcado e seu time vencido o clássico, as manchetes seriam diferentes. "Robinho volta em forma e mantém tabu contra rival". Coisas do tipo. O "se" não joga, dirão os idiotas da objetividade. E, em não jogando, vale o resultado final: Robinho perdeu o gol, não deu o passe a Leandro Damião, o Corinthians ganhou dentro da Vila e acabou com o tabu de nunca haver vencido o rival com Robinho em campo. Futebol é resultado. Verdade. Mas se olharmos apenas o resultado, corremos o risco de não vermos o que se passou em campo. Por exemplo, no clássico de domingo vi Robinho jogando bem em sua volta ao Santos. Diferentemente de um comentarista de TV, que classificou sua atuação de "medíocre", vi um jogador atuando com a desenvoltura de quem parecia nunca ter deixado o time que o revelou. Entrou já para ser líder. Isso no campo, digamos, comportamental. No jogo de bola mesmo, incomodou bastante a defesa corintiana, em especial em suas investidas da esquerda para o meio, ou puxando contra-ataques, ou fazendo jogar seus outros companheiros. Claro, a partida era especial, um Santos x Corinthians, com sua carga centenária de rivalidade. Caso Robinho mantenha a mesma motivação mostrada no domingo, e melhore o entrosamento com os companheiros, poderá ser muito útil para o time. Enfim, depende de como se vê o jogo. Essa possibilidade de cada um ver o "seu" jogo é algo próprio ao futebol, esporte da subjetividade por definição, no qual o apego cego às estatísticas só serve para provocar constrangimentos. Nesse domínio de incertezas, cada um tem a sua verdade, daí aquela frase famosa e arrogante: "Que jogo você viu?", como a insinuar no interlocutor uma miopia fundamental. Aquele que acusa teria visto o "verdadeiro" jogo, o outro, apenas um arremedo da partida, distorção causada ou pela paixão clubística ou mera ignorância futebolística. O futebol é essa matéria que ninguém domina e todos julgam saber de cor e salteado e de trás para a frente. Parece um esporte tão simples, mas é tão complexo que a opinião de um leigo pode ser tão válida e aguda quanto a de um antigo craque transformado em comentarista. Ter jogado bem não é suficiente para ser bom colunista esportivo. Se assim fosse, Pelé seria o maior comentarista de todos os tempos. Seja como for, de vez em quando seria preciso ir um pouco além do resultado. E evitar deduzir a análise a partir do resultado, o que cria a ilusão de que o desfecho da partida era inevitável. Como se estivesse escrito nas estrelas. O futebol não se enquadra nesse esquema simplista. É tão sujeito a acidentes e acasos que, muitas vezes, o resultado frio do placar não espelha o que se passou em campo. No caso, o fator Robinho. Como não marcou e não deu passe para gol, dizem que foi medíocre. Exagero. Não foi decisivo neste jogo. Pode vir a ser nos próximos. Esse descolamento do resultado e da atuação em campo não deveria, porém, servir de desculpas de treinadores. Oswaldo de Oliveira, por exemplo, disse que o Santos vem jogando sistematicamente melhor que seus oponentes, mas tem perdido as partidas por detalhes. Foi assim com o Corinthians, como já havia sido com Fluminense e Internacional. Jogou bem, de igual para igual, criou chances e perdeu. Também aqui convém ir um pouco além do óbvio. Por exemplo, lembrar que o Santos tomou vários gols em jogadas aéreas, em bolas levantadas dentro da sua área. Não será essa uma informação relevante para o treinador? Será que não está acontecendo alguma coisa estranha no sistema defensivo? Não será melhor treinar o posicionamento dos defensores nas bolas paradas, que se tem revelado o calcanhar de Aquiles do Santos? Lembrar também do grande número de gols perdidos, inclusive contra o Corinthians. Não haverá aí um problema nos chamados fundamentos do futebol? Como compreender a persistente má fase de Damião? Enfim, são questões a serem investigadas. Porque o grande time é aquele que em geral joga bem e vence. Mas também às vezes joga mal e mesmo assim ganha alguns jogos.

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