Red Bull pode dar exemplo raro

Segundo especialistas em ética no esporte, time da Fórmula 1 tem chance de contrariar a lógica da vitória a qualquer custo

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Por Bruno Deiro
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A final do bobsled na Olimpíada de Inverno de 1964, na cidade austríaca de Innsbruck, foi palco de um ato inusitado. Sensibilizado pela quebra do carro dos ingleses Tony Nash e Robin Dixon, o italiano Eugenio Monti não hesitou em tirar uma peça do seu próprio equipamento para ajudar os rivais. Resultado: os britânicos levaram o ouro e a dupla italiana, só o bronze. Cercado pela imprensa de seu país após a prova, Monti evitou heroísmos. "Nash não ganhou porque dei a ele o parafuso (que faltava). Ganhou porque fez a volta mais rápida."A lógica usada pelo italiano, no entanto, é exceção no meio esportivo. A lei predominante, confirmam estudiosos da ética no esporte, é a da vitória a qualquer preço. "Para quem acompanha, fica a impressão de que quem ganha não é o mais preparado, é o mais esperto", diz o psicólogo do esporte João Ricardo Cozac. Mas hoje, em Abu Dabi, a Fórmula 1 tem a chance de quebrar este paradigma. Os especialistas veem no dilema vivido pela Red Bull - fazer ou não o jogo de equipe? - boa chance de dar ao esporte exemplo raro. No GP do Brasil, há uma semana o time austríaco já abriu mão da artimanha. "O torcedor espera ética e honestidade. Quando isso não acontece, chama muito mais a atenção do que a vitória", diz Cozac. "Mesmo se a Red Bull não conquistar o título, ficará marcada como equipe séria, comprometida. Se fizer (jogo de equipe) vai ganhar, mas o título ficará manchado."O exemplo de Eugenio Monti reforça o argumento usado pelo psicólogo. Por sua opção incomum na final olímpica do bobsled, o italiano foi o primeiro atleta agraciado pelo Comitê Olímpico Internacional com a Medalha Pierre de Coubertin - e na Olimpíada seguinte, na França, conquistou, enfim, o ouro.Uso do regulamento. No Mundial de vôlei masculino, há cerca de um mês, na Itália, a seleção do Brasil optou pelo caminho mais fácil. Para evitar duelos complicados na terceira fase, os braskileiros teriam de perder da Bulgária e, para isso, adotou manobra que causou polêmica. Bernardinho pôs em quadra um time reserva e improvisado que pouco se esforçou na derrota (3 a 0) para os desinteressados búlgaros, que também queriam a derrota. Nem as vaias no ginásio Palarossini, em Ancona, abalaram a convicção do técnico brasileiro, que culpou o regulamento. "A torcida tem todo o direito (de reclamar), nós não jogamos o nosso melhor vôlei. Agora, tem que ver todas as coisas que estão acontecendo no campeonato", disse Bernardinho após o jogo.Para o professor de Educação Física e Comunicação José Mauricio Capinussú, autor da tese de doutorado "Comunicação e Transgressão no Esporte", a postura do técnico não é novidade. "É comum vermos esportistas se utilizarem do regulamento para justificarem certas atitudes." Segundo Cozac, o artifício usado pela seleção não foi apagado com o título. "É um exemplo emblemático, pois o título ficou manchado aos olhos do mundo pelo que o Bernardinho chamou de "regras do jogo" ", diz o psicólogo, que reforça o impacto na imagem do esporte para as crianças. "Em vez de prestar serviço à saúde, presta desserviço à parte ética. É exemplo negativo de caráter, na construção de valores e comportamento na infância."Mala branca. A reta final do Brasileiro exige atenção, dizem os especialistas. Nos pontos corridos, a possibilidade de "incentivo" externo a clubes que chegam às rodadas finais sem ambição deu origem ao termo "mala branca". Para Capinassú, a prática é condenável do ponto de vista ético. "Antigamente só existia o "Malaquias", o homem da mala preta", brinca. "O termo (mala branca) é recente, mas ambas as situações são deploráveis."Há ainda a pressão da torcida, que pode influenciar o comportamento do atleta. No ano passado, o goleiro Felipe, do Corinthians, foi criticado por, supostamente, não ter se esforçado para defender um pênalti na derrota para o Flamengo, então concorrente do São Paulo pelo título. Na rodada final, a torcida do Grêmio também fez campanha pró-Fla para evitar que o arquirrival Inter levasse a taça.

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