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Revanche no céu

Por Marcos Caetano
Atualização:

Não existe, na história do futebol mundial, um jogo mais cercado de mistério e fascínio do que o "Maracanazo", a mais triste derrota da história esportiva do Brasil. Tão triste que, depois da tragédia de 16 de julho de 1950, a seleção brasileira abandonou para sempre o uniforme branco, até então o oficial. Muitas lendas surgiram em torno daquela partida, algumas confirmadas pelos jogadores, outras que dividem opiniões e outras veementemente negadas. Entre tantas histórias, há duas cruéis mentiras que se consolidaram como verdades, ainda que negadas por todos os que estiveram em campo: a cusparada que Obdulio Varella teria dado em Bigode e o pretenso frango de Barbosa no gol de Ghiggia. Tive a honra de conversar com Zizinho sobre esses episódios - e foi justamente o grande líder daquele time que me garantiu que não houve cusparada ou frango. Mestre Ziza foi grande amigo de Obdulio, até seus últimos dias. "E eu jamais seria amigo de alguém que cuspiu na cara de um companheiro meu" - disse-me, poucos meses antes de nos deixar. Pelo resto da vida, Bigode conviveu com a injusta fama de covarde. A frase célebre de Barbosa, o outro injustiçado, se aplicaria perfeitamente a Bigode: "A pena máxima para um crime no Brasil é de 30 anos. Há mais de 40 anos que eu venho pagando por um crime que não cometi". No entanto, além de Obdulio, Barbosa, Zizinho, Ghiggia, Schiaffino e Bigode, os personagens mais comentados do épico, havia um outro jogador, franzino, bigode fininho, habilidoso e goleador. Alguém que foi, por trinta minutos, o herói de uma epopeia que não se confirmou. Ou que, ao menos, não se confirmou para nós. Estou falando de Friaça - extraordinário atacante da seleção brasileira e do Expresso da Vitória do Vasco, autor do gol que abriu o marcador da decisão da Copa de 1950 - que morreu na última segunda-feira, aos 84 anos. É impossível imaginar como cada jogador reagiu àquela derrota. Nilton Santos, que era reserva e não atuou, saiu antes do apito final e ficou dando voltas no Maracanã, em busca do grito consagrador da multidão, que jamais chegou. Todos os brasileiros morreram um pouco naquela tarde. Mas Friaça talvez tenha morrido um pouco mais. "Se o Brasil tivesse sido campeão, a estátua no Maracanã poderia ser do meu pai" - resumiu Ronaldo, filho do atacante. Tentem imaginar a sensação de marcar um gol na final de uma Copa do Mundo. Agora somem a esse sentimento o fato dessa final ser disputada no nosso País, diante do maior público da história, no maior estádio do mundo, erguido para aquele fim. Tenham em conta, ainda, o fato de que o gol daria ao Brasil o primeiro título de sua história. Tudo isso girou pela cabeça de Friaça, que, depois de abrir o marcador, no começo do segundo tempo, com o Brasil jogando pelo empate, certamente não conseguiu pensar em mais nada. Se os torcedores e os jogadores brasileiros caíram das nuvens após o apito final, Friaça despencou do sétimo céu. Entre todos os jogadores que estiveram em campo naquela final, só restavam vivos ele e Juvenal. Torço para que Juvenal viva por muitos anos, como testemunha da saga que moldou o caráter das gerações seguintes. Se há um time na história que merece uma revanche, esse time é o nosso esquadrão de 1950. Quando Juvenal decidir se juntar aos companheiros, do outro lado da vida, os deuses do futebol haverão de conceder-nos uma revanche. No céu. E aí, acho que Friaça será bem capaz de marcar mais um, para que recuperemos o título com o qual mais intensamente sonhamos.

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