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(Viramundo) Esportes daqui e dali

Sem perdão

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Por Antero Greco
Atualização:

Rogério Ceni entregou, de bandeja, tema para uma crônica fácil - e óbvia - no jornal. Com a experiência de quase 20 anos como titular do São Paulo, mais de 100 gols na carreira e histórico de declarações contundentes, se apresenta para bater pênalti aos 43 minutos do segundo tempo em clássico com o Corinthians que está no 0 a 0.O time dele anda com a corda no pescoço no Brasileiro, conta sofregamente com a vitória em casa, vê o presente no finalzinho e...sso mesmo, Rogério erra, joga fora dois pontos, sai de campo cabisbaixo e vaiado, por alvinegros e por parte dos tricolores. Foi embora como vilão.A enxurrada de comentários, no calor da hora, tratou de arrastar água abaixo trajetória singular. Velho, ex-atleta em atividade, pé-frio, presunçoso, fominha foram os termos mais civilizados que posso reproduzir aqui sem romper com a boa educação. Capitão, mito, goleiro-artilheiro e outras formas carinhosas de reconhecer a importância dele para o time saíram de cena da mesma maneira que a bola que chutou foi desviada por Cássio para escanteio.Rogério se expôs pela enésima vez em situação aguda - e assim correu risco de ser exaltado, ou xingado, como em tantas outras ocasiões nas duas décadas sob o gol são-paulino. Prevaleceu a segunda opção, como tem sido recorrente nos últimos meses. Não foi a primeira penalidade que desperdiçou, porém a quarta em seguida ou algo do gênero, se não estiver enganado. E o torcedor não perdoa, se esgoela, solta os palavrões cabeludos contra o infame de pé descalibrado e familiares próximos e distantes, de várias gerações. Rogério Ceni, com calos aqui e ali, com cabelos ralos e alguns grisalhos, sentiu como o futebol é implacável e não poupa nem os ídolos. Sobretudo se forem longevos como ele. Entendo a decepção do fã. Não é fácil lidar com a perspectiva medonha de ver o time despencar para a Segunda Divisão. Mesmo assim, não desço a lenha em Rogério e em jogadores com postura idêntica à dele. Prefiro o corajoso que dá a cara para bater, que não se esconde na aflição, do que o covarde que se refugia na sombra. A história se faz com os que têm consciência de seu papel e não com os insignificantes. Gente de valor pagou por suas convicções; os nulos foram justamente esquecidos.Por isso, nunca desdenhei de Marcelinho Carioca por não converter para o Corinthians o pênalti que levou o Palmeiras à final da Libertadores de 2000. Naquela oportunidade, no mesmo lado do episódio de ontem, o Pé de Anjo ficou com a cara no chão e Marcos se consagrou como o "santo" palestrino. Mas Marcelinho não se esquivou da incumbência, como não havia negaceado em outras decisões, ao contrário de colegas igualmente medalhões. Marcelinho e Rogério Ceni falharam, porém podem manter o olhar altivo, por não pertencerem à laia dos pusilânimes. Rogério tem contra si o temperamento forte, as posições que muitos consideram arrogantes e opiniões ácidas, como a desancada que lascou em Ney Franco, ao afirmar que o legado do técnico no clube foi zero. Avaliação injusta, diga-se. Além disso, atua na pior posição do futebol, que é a de goleiro. (E fez defesas bacanas no duelo!)E ainda se mete a marcar gols! Sai demais da curva habitual do perfil dos boleiros. Incomoda, numa sociedade preconceituosa.Dá para imaginar que Rogério, no lance do pênalti, pensou na possibilidade de redimir-se das falhas recentes e bem diante do grande rival. Ou, quem sabe?, temeu que o chamassem de amarelão, se não se apresentasse na marca da cal? Não é simples carregar a fama de topetudo ou a de salvador da pátria. Só espero que tenha bom senso para, no tempo em que ainda vestir uniforme de jogador, saiba avaliar se está bem ou não para cobrar pênalti. E boa sorte.Sorte que São Paulo e Corinthians ainda precisam ter para livrar-se do descenso. O clássico não foi entediante; no entanto, as duas equipes se mantêm como sombras de si próprias. Principalmente na falta de ousadia e nos ataques imprecisos.

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