Silêncio ensurdecedor

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Por Wagner Vilaron
Atualização:

Falou-se tudo, ou quase tudo, sobre Sócrates nos últimos dias. E nada mais justo, pois trata-se de um dos melhores jogadores da história do futebol brasileiro e que divide com Roberto Rivellino a honra de estar no alto do pódio daqueles que vestiram a camisa corintiana.Minha homenagem a ele, porém, não está na lembrança de seus gols ou na elegância de seus passes. Porque admirava Sócrates dentro do campo, mas o invejava fora dele.Em um momento no qual o futebol vive a chatice de uma tal "ética do boleiro", segundo a qual o drible, que deveria ser parte do espetáculo, é encarado como uma ofensa à honra do driblado, e vê a proliferação do bibelô, aquele atleta mediano, com futebol nota 5,5 e marra nota 10, Sócrates destacava-se pela personalidade que o fazia destoar no campo e no verbo. O "Doutor" não precisava de um carrão importado ou de uma mala de grife francesa para se impor no grupo. Bastava falar. E falava, sobre quase tudo. E que se danasse a tal ética. Colecionou desafetos por causa de seus posicionamentos? É bem provável. Mas Sócrates era daquele tipo de ser humano que adorava ser querido, mas achava indispensável ser respeitado.No domingo, minutos antes de o clássico contra o Palmeiras começar, foi impossível não lembrar do mestre Armando Nogueira escrevendo sobre o milésimo gol de Pelé. Quando todos imaginavam e torciam para que o feito ocorresse em uma jogada espetacular, como tantas protagonizadas pelo Atleta do Século, Pelé chegou à histórica marca em uma cobrança de pênalti. Em meio à frustração coletiva, mestre Armando consolou a todos ao dizer que não poderia ser melhor, pois aquele lance paralisou o jogo e permitiu que todos as atenções estivessem voltadas ao momento. Não tenho a intenção aqui de romantizar a perda de Sócrates. Ele morreu, vítima de um vício que afasta de sua figura qualquer áurea de santo ou bom moço e a aproxima do tal "maloqueiro", cantado em prosa e verso pela fiel torcida.No entanto, não vejo como algo negativo o fato de sua morte ter ocorrido exatamente no dia em que o Corinthians iria a campo para sagrar-se pentacampeão brasileiro. Muito menos de o jogo acabar empatado em 0 a 0. Esta coincidência, que para muitos tirou um pouco da vibração pela conquista, ajudou a registrar para sempre quem foi Sócrates na história do Corinthians e do futebol.Sim, porque daqui a 10, 50, 100 anos, quando forem buscar imagens que marcaram o jogo que definiu o título de 2011, não mostrarão gols ou grandes jogadas. Seja qual for o editor, este será obrigado a mostrar a cena dos 11 jogadores do Corinthians posicionados no centro do gramado, com o braço direito erguido e o punho cerrado, seguidos por mais de 40 mil torcedores que lotavam o Pacaembu. Diante disso, a pergunta se fará inevitável: por que os atletas estão fazendo esse gesto? Pronto, Sócrates não será esquecido pela história.

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