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Sobre zebras, underdogs e a schadenfreude

Por Alex Bellos
Atualização:

Quando falo português, há muitas palavras importantes do inglês que não consigo expressar de maneira adequada. Como "understatement", afirmação segundo a qual algo não seria tão bom ou tão grande ou tão importante quanto de fato é. Dizer que Luis Suárez é um jogador razoável seria um understatement. A palavra é fundamental para a psique britânica, uma sutil forma de ironia. Trata-se de um conceito completamente desconhecido pelos brasileiros, cuja linguagem favorece exageros coloridos (com a constante presença do diminutivo -inho e do aumentativo -ão) em lugar das emoções reprimidas. Outro conceito relacionado a este é o do "underdog", outra palavra inglesa sem tradução direta para o português (o mais próximo seria "azarão" ou "zebra"), mas que representa uma ideia indispensável para aqueles que acompanham os esportes. Literalmente, a palavra significa "sub-cachorro". Mas, na verdade, indica o indivíduo ou equipe com menos chance de vencer numa disputa esportiva. Adoramos os underdogs. No Brasil, também existe uma simpatia pelo time mais fraco, mas sua obsessão com o azarão não se compara ao que sentem os britânicos. Caso contrário, vocês teriam uma palavra de significado mais parecido com a nossa. Seu "complexo de vira-lata" não é exatamente igual ao nosso complexo de underdog. (Por que há tantas metáforas caninas no esporte?) Torcer pelo azarão é algo que desafia o bom senso e a consistência. Assisti ao jogo entre Bélgica e Argélia com alguns amigos ingleses. Começamos fãs da Argélia, até ela marcar o gol; então, nos tornamos belgas desde criancinhas. Porque ficamos com pena. E quando a Bélgica virou, nos vimos chorando por nossos irmãos argelinos. Assistir às partidas de outras seleções é algo que quase invariavelmente nos deixa infelizes. Por que torcemos pela zebra? Parte da explicação está na justiça. Não é justo que um time seja melhor que outro. A vitória do azarão recompensa o pobre e castiga o rico. E há o prazer de ver o favorito perder. Não existe palavra para isso no inglês, mas, no alemão, sim: "schadenfreude", literalmente, "alegria com a desgraça". (Um sentimento que arrebata os ingleses quando a seleção alemã é eliminada da Copa.) Defender o time mais fraco é algo universal, pois todos já fomos pequenos e fracos. Na escola, tivemos de aprender a nos defender dos maiores e mais fortes que nós. Olhamos para os underdogs e enxergamos a nós mesmos. Mas, na Grã-Bretanha, o underdog se tornou um estereótipo nacional. Tínhamos um império. Éramos importantes. Agora, somos apenas um país de dimensões médias na beirada da Europa. Inventamos o futebol e, um dia, fomos uma potência nos gramados. Mas agora não somos. Não ganhamos uma Copa desde 1966 e nossa mais recente participação numa semifinal foi em 1990. No futebol, nossa autoimagem é, agora, a de eternos e heroicos perdedores. A Inglaterra vai precisar de um pouco de sorte para se classificar para a segunda fase, e isso é um understatement.

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