Testes de doping tornam-se virtuais: isso é temporário ou um vislumbre do futuro?

Agência Antidoping dos Estados Unidos tem coletado amostras de atletas como Katie Ledecky através do correio

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Por Matthew Futterman
Atualização:

Especialistas em antidoping já vinham discutindo ideias sobre como testar atletas sem ter que bater em suas portas ao amanhecer ou na hora do jantar. Então, o surto de coronavírus castigou os agentes de controle antidoping - as pessoas que aparecem sem aviso prévio para coletar amostras de sangue e urina dos atletas para triagem de substâncias que melhoram o desempenho. Mas o teste de doping no esporte praticamente parou. De repente, aquelas sessões de brainstorming se tornaram muito menos teóricas.

Frascos de exames antidoping Foto: Valentim Flauraud/Reuters

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Como ninguém sabe quando será seguro começar a testar atletas pessoalmente novamente, a Agência Antidoping dos Estados Unidos (USADA, na sigla em inglês) iniciou um experimento há duas semanas, para verificar se a coleta de amostras poderia ser feita virtualmente. Em vez de supervisionar pessoalmente o processo, os oficiais de controle antidoping estão realizando seu trabalho por telefone e videoconferência.

A agência não precisou procurar muito por voluntários, atletas, incluindo alguns que são fortes candidatos a medalhas nas Olimpíadas do próximo ano, em Tóquio, se ofereceram para participar. Katie Ledecky, uma das nadadoras mais conhecidas do mundo, se inscreveu, assim como os atletas do atletismo Noah Lyles, Allyson Felix, Emma Coburn e Aliphine Tuliamuk. Cerca de uma dúzia de atletas estão participando, disse Travis Tygart, executivo-chefe da USADA. "Estamos conversando sobre isso e estabelecendo as bases há vários meses", disse Tygart. “A covid-19 fez com que tudo avançasse rapidamente e nos permitiu implementar a nova tática.”

Embora o principal benefício a curto prazo seja minimizar as dúvidas sobre a adesão dos atletas às regras na ausência de coletores de amostras tradicionais, o objetivo a longo prazo do programa virtual é ser mais tranquilo e menos invasivo para testar o uso de substância proibidas.

Katie disse que, ao longo dos anos, oficiais de controle antidoping apareceram em seu dormitório da faculdade, no meio dos treinos e em seu apartamento, onde ela foi testada duas vezes no início de março, devido à crescente preocupação com a covid-19. Ela disse que limpou todas as superfícies do apartamento depois que o oficial de controle foi embora. "Fiquei feliz em participar disso", disse Katie sobre o experimento de teste virtual. "Eu me senti muito confortável."

Katie Ledecky ganhou cinco medalhas de ouro olímpicas e 14 medalhas de ouro em Mundiais, a marca marca de uma nadadora. Ela é dona do recorde do nado livre 400 m, 800m e 1500 m. Com 15 anos de idade, conquistou sua primeira medalha de ouro na Olimpíada, em 2012. Foto: Marcos Brindicci/Reuters

À primeira vista, o programa pareceria oportuno para tentativas de trapaça. A USADA tentou atenuá-las, usando videoconferência e algumas precauções científicas diretas. Os atletas de calibre olímpico já precisam cumprir as chamadas regras do programa Whereabouts, que exigem que eles indiquem horários e locais em que podem ser encontrados a cada dia para que um oficial de controle de doping possa fazer uma visita surpresa. Nos testes virtuais, em vez de bater na porta, os atletas recebem um telefonema durante essa hora e devem atender o telefone.

O atleta recebe um link de vídeo para iniciar a coleta de amostras. Toda a papelada e testemunho juramentado são feitos em vídeo. Em seguida, o atleta deve pegar um dos kits de teste recebidos quando se inscreveu no programa piloto. Um oficial de controle antidoping faz um tour virtual pelo banheiro do atleta e observa o atleta durante todo o processo, exceto quando o atleta está fornecendo a amostra de urina. Depois de sair do banheiro, o atleta insere uma tira que mede a temperatura na urina para provar que a amostra está fresca antes de fechar o recipiente.

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O fornecimento de uma amostra de sangue envolve a fixação de uma pequena engenhoca de plástico com um botão vermelho aproximadamente do tamanho de uma ficha de pôquer no braço. Pressionar o botão produz uma pequena picada e gotas de sangue suficientes para uma amostra seca testável. O atleta então coloca as amostras em um pacote, fecha-as na frente da câmera e a USADA envia um representante do Express Mail para coletá-las.

Os atletas poderiam se safar dos testes enviando a urina de outra pessoa? Ou uma amostra de urina antiga coletada antes que as substâncias para melhorar o desempenho estivessem em seus sistemas e depois mantidas à temperatura corporal típica? Teoricamente, sim. Mas Tygart disse que o cheiro da urina velha seria horrível e que testes de laboratório mostrariam que a amostra era antiga. Além disso, se fosse a urina de outra pessoa, certas características não corresponderiam à amostra de sangue.

Tygart reconheceu que existem limites para os testes que podem ser realizados com sangue seco, ao contrário dos três tubos de ensaio de sangue coletados com os exames presenciais. Mas, segundo ele, isso pode mudar à medida que a ciência evolui. "O padrão aceito em todo o mundo é a coleta observada de sangue e urina, fora da competição, e isso não está mudando", afirmou Tygart, que disse ter estado em contato com os colegas de organizações antidoping na Alemanha e na Noruega sobre o desenvolvimento de programas semelhantes para seus atletas. Um porta-voz da Agência Mundial Antidoping disse que a organização não estava sabendo do programa.

Lyles, um velocista americano, foi um dos primeiros atletas a fazer um teste virtual. Ele disse que demorou cerca de 90 minutos. Atualmente com 22 anos, vem sendo testado há cinco anos, e a única diferença dessa vez, disse ele, foi "ter que fazer tudo sozinho". Ele disse que preferia o método de teste presencial. "Eu pessoalmente gosto de alguém estar lá, porque isso o torna responsável", disse Lyles, que está correndo em um campo de futebol em um parque perto de sua casa na Flórida, pois todas as pistas de corrida estão fechadas.

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Aliphine, que venceu os trials de Maratona Olímpica em fevereiro, disse que o teste virtual foi fácil, mas ela questiona se pode ser usado em países como o Quênia, onde nasceu. O serviço de Internet nem sempre está disponível lá, e os atletas podem não estar tão familiarizados com a tecnologia. "Vivo em uma realidade diferente", disse Aliphine. "Não tenho certeza se será tão fácil para os outros."

As vantagens a longo prazo do teste virtual podem, em última análise, anular quaisquer preocupações. Se as agências antidoping e as federações esportivas internacionais não precisarem enviar agentes em todo o mundo para coletar amostras de sangue e urina de atletas, a economia seria significativa e permitiria que mais atletas fossem testados com mais frequência.

"Competi contra atletas que usaram alguma substância para melhorar seu desempenho e isso teve um enorme impacto na minha carreira e nas carreiras dos meus amigos", disse Emma, campeão mundial na corrida de obstáculos. "Tudo o que podemos fazer para tornar os testes mais disponíveis é um esforço que vale a pena". / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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