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Três tipos de comentaristas

Boleiros

Por Daniel Piza e daniel.piza@grupoestado.com.br
Atualização:

Sempre leio e ouço os comentaristas se queixando do baixo nível do futebol nacional, mas será que o nível dos comentários sobre o futebol nacional é tão melhor? A impressão não é essa. Como é chato, por exemplo, suportar horas de mesas-redondas sobre se Miranda fez pênalti no jogo entre São Paulo e Santos! Aí, na hora de falar de coisas boas, como os gols mais bonitos da rodada, os critérios usados pouco têm a ver com futebol; seguem apenas a sensação visual ou a agenda nacionalista, e ninguém pára para esmiuçar a fineza técnica do terceiro gol de Thiago Neves contra o Flamengo. Vejamos três tipos de comentaristas: Comentarista que queria ser treinador - É um tipo em ascensão. Dá valor distorcido a táticas e estatísticas. Confunde dizer "O Santos não ganha do São Paulo no Morumbi desde o primeiro semestre de 2006" com "O Santos tem menos chance de ganhar hoje" - o que era fato, mas apenas pelo elenco inferior... E costuma esquecer que há aspectos emocionais e imponderáveis no futebol que não se explicam por posicionamento. A entrada de Carlos Alberto naquele jogo levou o São Paulo a perder a marcação de meio-campo, mas ele acertou o gol com ajuda do zagueiro Domingos, ao contrário de Kléber Pereira, que desperdiçou chances mais claras. O divertido do futebol é transcender "scouts". Outra mania dessa turma é medir conhecimento futebolístico pela memorização de nomes e datas. Se o sujeito lembra o nome do lateral esquerdo do Juventus em 1967, é saudado como alguém que "entende de futebol"... Comentarista que queria ser jogador - É um tipo mais comum do que se pensa. Em geral, olhando para eles, a sensação é a de que nunca chutaram uma bola na vida. Mas a besteira está em avaliar desempenhos e situações de jogo pela óptica do "eu faria" ou "não faria". Daí sua admiração excessiva por alguns jogadores com características peculiares, que logo vão sendo tratados como craques ou gênios. Aí é preciso chegar um técnico mal-humorado como Muricy Ramalho e, apesar de se referir a um jogador importante de seu próprio time, expor a obviedade de que Adriano não é craque, mas um goleador que cabeceia bem e chuta forte com a esquerda. Não é craque porque tem um defeito sério: só pensa no que vai fazer com a bola depois que a recebe no pé; não antevê as jogadas. Logo, abusa de seus dois únicos recursos. Adriano é também um "bad boy", figura que alguns comentaristas adoram. Assim como Romário. No episódio recente entre ele e Eurico Miranda, foi triste ver tantas frases em favor do jogador, que bem poderia mudar o apelido para Eurico Jr., já que o considera "um pai dentro do futebol". Quem sai aos seus... Comentarista que não passa de torcedor - De longe o tipo mais comum. É aquele que vê tudo, do lance mais duvidoso de uma partida a toda uma história de conspirações, pelo ponto de vista do seu clube. Muitas vezes, basta que um dos times seja da sua cidade - e então o adversário só venceu porque jogou feio, etc. E há aquele que tem certeza de que em seu tempo só se jogava o futebol-arte, sem violência, sem juiz ruim, sem "professores" no banco... Em vez de usar o que testemunharam como experiência para examinar novidades, se limitam apenas a exaltar o passado ou comparar tudo com ele. O resultado dessa tipologia é uma visão de futebol polarizada, razão x emoção, tática x teatro. Não espanta que tenham errado tanto em tempos recentes, como nas Copa de 2002 e 2006. Como têm uma noção restritiva do que é o futebol, vivem sendo enganados pelo pique da bola.

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