EXCLUSIVO PARA ASSINANTES

Um clássico em cada tempo

PUBLICIDADE

Por Paulo Calçade
Atualização:

O empate entre Corinthians e Santos foi mais um exemplo de como o calendário insano tem estragado o jogo. A partida foi boa, mas poderia ter sido muito melhor se um degrau não separasse o primeiro do segundo tempo, obra do desgaste físico que dominou a equipe de Tite.Na primeira parte, o Corinthians conseguiu levar a campo um pouco do ritmo e da qualidade do grande futebol exibido desde o início da temporada. O detalhe, no entanto, ficou por conta das finalizações imprecisas, que poderiam ter criado uma vantagem impossível de ser eliminada.Ficou no quase, pois no segundo tempo, com Geuvânio no lugar de Elano, o Santos foi mais agressivo, conseguiu equilibrar a partida. Menos pela posse de bola, mais pela movimentação. Faltou oxigênio ao Corinthians para acompanhar o adversário, disposto a empatar e virar o confronto.Pelo o que tem jogado em 2015, naturalmente a equipe corintiana se transforma no balizador do que tem acontecido no campo, numa comparação justa entre o que joga e pode jogar.Os números são frios ao explicar o abismo entre os tempos do jogo, divididos pela queda do rendimento físico corintiano e pela mudança da postura santista. A posse de bola ficou praticamente igual, 51 a 49%, mas as diferenças podem ser facilmente encontradas nas finalizações e nos desarmes.Na primeira etapa, os corintianos chutaram a gol 11 vezes a mais que os santistas, que se recuperaram na segunda com 7 de vantagem. Outro indicador da melhora do time de Marcelo Fernandez e da queda da qualidade física do grupo de Tite está nos desarmes. Depois do intervalo, o Santos fez 18 contra 4. Para uma equipe compacta e coesa, com sistema defensivo reconhecidamente sólido, o baixo número de recuperações é revelador. Do início do mês de março até ontem, o Corinthians realizou 12 partidas em 36 dias, contra 9 do Santos, dedicado ao Paulistinha e à Copa do Brasil.Anos e anos de mata-mata e de administrações funestas dos cartolas cristalizaram no torcedor brasileiro a ideia de que a composição do sucesso tem mais a ver com o acaso do que com o trabalho. Daí a nossa dificuldade em admirar a boa fase de uma equipe de futebol, como a do Cruzeiro, bicampeão brasileiro, ou a do Atlético Mineiro, campeão da Copa do Brasil.Para este Corinthians ficar marcado na história será necessário ganhar pelo menos um título expressivo, o que obviamente exclui o Estadual. A melhor equipe do País possui características quase únicas no futebol brasileiro, que devem ser observadas e analisadas por todos os seus concorrentes, o que não significa copiá-las.Quando vemos o São Paulo desmembrado, sem iniciativa e sem coragem, nos perguntamos o que está acontecendo com o time de Muricy Ramalho. Esse questionamento, seguido de espanto, não atinge apenas o torcedor tricolor. Gente experiente, com muita tarimba dentro de campo, também procura respostas em meio ao espanto.Encontramos no futebol duas correntes sobre a construção de um grupo eficaz e vencedor. De um lado está a visão que tudo minimiza e simplifica, respaldada pelo passado e por acidentes do destino, na qual só existe o craque, começo e fim de todo o processo. Do outro, a que acredita na complexidade do futebol, que considera, examina e investiga o método. E acredita no ser humano, não na máquina como base da evolução. Os clássicos não salvam o campeonato, mas nos dão a certeza de que se os clubes grandes desejarem, como agora parecem desejar Flamengo e Fluminense, contrários aos desmandos da Ferj, não será difícil encontrar uma saída honesta para o futebol brasileiro, inclusive para os pequenos. Está logo adiante.Só precisa de um empurrãozinho, de coragem para dar um basta na podridão que se abastece da fragilidade dos clubes brasileiros. Só o clube forte pode encarar o sistema.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.