A menos de duas semanas do início da Olimpíada, o grau de liberdade que os jornalistas terão para trabalhar na China ainda é uma incógnita. Apesar da promessa do governo de Pequim de garantir completa liberdade de imprensa antes e durante os Jogos, repórteres, fotógrafos e cinegrafistas continuam a ter dificuldades com a polícia e autoridades chinesas. Como parte dos compromissos que assumiu para ser sede dos Jogos, a China acabou com a necessidade de autorização prévia para jornalistas viajarem e realizarem entrevistas dentro do país - a única exceção ainda é o Tibete, região instável do ponto de vista político, para a qual o acesso ainda se mantém restrito. As novas regras valem para o período de 1º de janeiro de 2007 a 17 de outubro de 2008. Desde que elas começaram a vigorar, o Clube de Correspondentes Estrangeiros da China registrou pelo menos 260 casos de interferência indevida de autoridades chinesas no trabalho de jornalistas. Segundo a entidade, "interferência indevida" é uma expressão que pode incluir violência, destruição de material jornalístico, detenção, ameaças a fontes e a chineses que trabalham como assistentes de jornalistas, interceptação de comunicações, proibição de acesso a lugares públicos, questionamento por autoridades de maneira intimidante, vigilância e sujeição a outros obstáculos no exercício da profissão que estão em desacordo com as práticas internacionais. É difícil encontrar um correspondente estrangeiro que tenha participado da cobertura do terremoto de Sichuan, em maio, que não tenha sido parado por um policial e levado às "autoridades competentes", para ser liberado depois de longa negociação. As regras foram mudadas há mais de um ano e meio, mas os milhares de policiais espalhados pela China continuam a agir dentro do sistema antigo, no qual jornalistas precisavam de autorização das autoridades para viajar e entrevistar qualquer pessoa, mesmo um cidadão comum. O caso mais bizarro de interferência aconteceu no dia 3 de julho com uma equipe da rede de TV alemã ZDF, que não estava em uma longínqua cidade do interior, mas em um ponto da Muralha a 120 km da capital chinesa. Como se trata de um local histórico, a emissora teve o cuidado de obter autorização prévia das autoridades de Pequim. Mesmo assim, quando o repórter fazia uma entrevista ao vivo na Muralha, um policial pulou em frente à câmera e impediu que a transmissão continuasse, imagem que foi reproduzida em todo o mundo e levou o governo chinês a se desculpar. As restrições à atuação da imprensa se agravaram depois de março, quando o Tibete registrou as mais violentas manifestações contra a China em duas décadas. As emissoras de TV que pagaram milhões de dólares pelos direitos de transmissão da Olimpíada enfrentam dificuldades inéditas para atuar em Pequim. O governo quer controlar ao máximo a movimentação dos caminhões com links para entradas ao vivo, na tentativa de evitar cobertura de eventos que contrariem seus interesses, como protestos não programados. As transmissões dos Jogos que estarão a cargo da imprensa oficial chinesa serão realizadas com atraso de 10 segundos, o que permitirá aos censores cortarem eventuais manifestações contrárias à China por parte dos atletas ou espectadores. No início de julho, o governo chinês anunciou restrições para transmissões ao vivo da Praça Tiananmen, o coração de Pequim, onde em 1989 ocorreu o massacre de estudantes que protestavam contra o Partido Comunista e pediam democracia. Durante a Olimpíada, as emissoras só poderão estar na praça no período de 6h às 10h e das 21h às 23h, horário de pouco movimento, o que permitirá ao governo limitar o número de pessoas no local. No total, a China espera receber 36 mil jornalistas durante os Jogos, o que dará ao país um grau inédito de exposição. Mas ao mesmo tempo em que quer mostrar ao mundo as conquistas dos últimos 30 anos de reforma e abertura econômicas, o governo também teme o registro das fissuras da sociedade chinesa, principalmente eventuais manifestações de grupos pró-independência do Tibete, de muçulmanos separatistas de Xinjiang ou de seguidores da Falun Gong, a seita banida em 1999 depois de reunir 10 mil pessoas para um exercício de meditação coletiva ao redor do quartel general dos líderes comunistas em Pequim.