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Vídeo de protesto mobiliza esgrimistas por mudanças

Desabafo de Élora Pattaro inicia cobrança por transparência

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Foto do author Gonçalo Junior
Por Gonçalo Junior
Atualização:

O vídeo da esgrimista Élora Pattaro nas redes sociais desistindo da Olimpíada por falta de apoio da Confederação Brasileira de Esgrima virou uma convocação para os colegas de sabre, florete e espada. O desabafo vem sendo compartilhado, acompanhando fotos dos atletas com o cartaz “Estamos com Élora. Queremos mudanças”. É uma leitura atual e política do lema que marca a esgrima no imaginário popular: “Um por todos e todos por um”.

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Um documento enviado pela Associação Brasileira de Esgrima para a confederação e assinado por 58 atletas, entre eles, grandes nomes da modalidade, como Athos Schwantes, Tais Rochel, Guilherme Toldo, Rayssa Costa e Karina Lakerbai, transforma o protesto solitário de Élora em voz coletiva. As reivindicações são simples: transparência na administração dos recursos e participação dos clubes e atletas nas decisões da entidade. 

A esgrima é uma espécie de primo pobre no esporte brasileiro, pois depende do apoio governamental. Atualmente, são entre 500 e mil praticantes. A Itália, potência no esporte, tem mais de 30 mil. “Ser esgrimista no Brasil é quase um ideal”, afirma a esgrimista Giulia Gasparin. “A esgrima hoje está num círculo vicioso: não temos patrocínio porque não temos resultado, ou não temos resultado porque não temos patrocínio?”, questiona.

Giulia Gasparin é atleta da esgrima e sonha disputar os Jogos Olímpicos de 2016. Ela disputa a competição no sabre Foto: Renan Telöken Stein

 

Mesmo colocada para escanteio, a esgrima tem várias fontes de financiamento, todas geridas pela confederação. Hoje, são quatro: Petrobrás (patrocínio direto), Ministério dos Esportes, Lei Agnelo Piva e as inscrições de clubes filiados. Estimativas da associação e dos próprios atletas apontam que a conta totalize cerca de R$ 4 milhões.

O convênio com o Ministério do Esporte é um dos motivos dos protestos dos atletas. Dois anos depois de ter recebido R$ 1,1 milhão para treinar atletas rumo aos Jogos Rio 2016, a CBE terá de devolver R$ 825 mil, pois executou apenas 25% do plano firmado com o Ministério do Esporte, em 2013. A entidade afirma que entregou a documentação em setembro de 2012, mas os recursos só foram disponibilizados em agosto de 2013, isto é, oito meses depois, e não daria tempo para usar o dinheiro todo. Os atletas perguntam sobre uma revisão do projeto e porque não participaram da decisão. O Ministério do Esporte só deve se pronunciar oficialmente em 17 de abril, fim do período para prestação de contas.

O patrocínio direto da Petrobras é outra questão polêmica. De acordo com a CBE, os patrocinados eram apenas nove. A equipe brasileira tem 24 atletas com as armas sabre, florete e espada, nas categorias masculino e feminino. Élora, a segunda do ranking nacional de sabre, fez parte da equipe até 2013, mas ficou sem apoio em 2014 e, por isso, desistiu dos Jogos. Os atletas argumentam que existem outras fontes recursos. “Por que parte desses recursos não é destinada aos demais atletas da equipe brasileira não contemplados pelo patrocinador (Petrobras)?”, pergunta o documento da associação. 

A confederação tratou o caso Élora em uma carta dirigida à imprensa na qual classifica a atitude de Élora como "uma contrariedade pessoal, disseminada de forma leviana, com interesse meramente individual” e afirma que ela obteve apoio financeiro.

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 Alguns atletas preferem não se identificar para não se “queimar”, como eles falam, em um momento de classificação para os Jogos, mas trazem queixas cotidianas. Afirmam que são ignorados o tempo todo, seja em data de passagem, escolha do hotel, programação de treinamento. Maria Julia de Castro Herklotz, integrante da equipe brasileira em Atenas/2004 e atual diretoria da ABE, lista também questões estruturais. “O problema não está apenas no alto rendimento. Falta apoio aos clubes, às salas e academias independentes. Existem poucos projetos para formação de mestres, técnicos e árbitros. Não há apoio para projetos sociais, não há projetos para divulgação em massa do esporte, nem projetos com escolas e universidades”, enumera.

Na visão dos atletas e técnicos, o futuro da esgrima depende de uma gestão mais democrática, com o envolvimento dos clubes no planejamento geral. “Vamos pressionar a CBE para discutir nossas propostas e convocar as federações (Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul) para votar a alteração do estatuto”, antecipa Maria Julia. “Não é de hoje que a maneira como as confederações estão organizadas representa mais um empecilho do que uma ajuda para os atletas”, avalia Élora.

ARQUIVAMENTO A Proposta de Emenda à Constituição - PEC 155 foi apresentada na Câmara dos Deputados em 1999 para garantir que filiados e atletas inscritos nas entidades desportivas (comitês, confederações, federações estaduais e associações) tenham direito ao voto direto e secreto dos membros de seus órgãos diretivos em todos os níveis. Acabou arquivada. “A PEC 155 precisa voltar a ser discutida. E precisamos que a transparência seja obrigatória. É verba pública, temos o direito de saber como o dinheiro está sendo investido, em quem, e por quais critérios”, afirma Élora.

Uma boa participação na Olimpíada requer pelo menos quatro anos de competição no circuito internacional. É necessário um investimento de pelo menos R$ 70 mil por ano no aperfeiçoamento de cada atleta, cálculo que inclui pelo menos oito competições internacionais (passagens, estadia, treinamento, alimentação, inscrição, transporte). Nesse cenário, as perspectivas para os Jogos não são animadoras. A salvação é que, o Brasil, como país-sede, tem um bônus e terá oito vagas. Além delas, serão classificados aqueles com boa colocação no ranking mundial (top 16), quem passar pelo pré-olímpico ou for convidado pela FIE (Federação Internacional).

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Por trás da (falta de) políticas públicas de desenvolvimento do esporte, estão as histórias individuais. O único apoio de Giulia sempre foi o Bolsa-Atleta, programa de patrocínio individual de atletas do Governo Federal. “Hoje, tenho apoio da empresa Pericó, que só consegui com o crowdfunding (financiamento coletivo) que fiz no ano passado, pois me deu visibilidade e interessou a empresa. Com isso este ano pretendo realizar todo circuito internacional e buscar para o ano que vem mais apoio para completar o ciclo até os Jogos. A gente depende hoje de patrocínio externo, não tenho muitas esperanças com a confederação”, lamenta a esgrimista.

Élora largou a esgrima e decidiu recomeçar a vida no Rio Grande do Norte. “Eu estava procurando um lugar para recomeçar a vida, estava em São Paulo por causa da esgrima. Encontrei um lugar mágico e cá estou. Está sendo bem libertador”, diz a atleta de 29 anos.

Élora foi a primeira brasileira a faturar uma medalha no campeonato mundial, prata em 2003, categoria cadete. Agora, tem medo de ser processada pela confederação pelo vídeo na internet. Dorme mal, não come direito pensando nas consequências de seu ato.

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Depois de ter sido a primeira brasileira a faturar uma medalha no campeonato mundial, prata em 2003, categoria cadete, Élora não sabe direito o que vai fazer da vida. “O momento para fazer alguma coisa é agora, porque depois das Olimpíadas o esporte desaparece, o apoio desaparece, e os problemas continuam. Os atletas precisam se unir e começar a falar, se engajar e reivindicar o que é justo”. “O momento para fazer alguma coisa é agora, porque depois das Olimpíadas o esporte desaparece, o apoio desaparece, e os problemas continuam. Os atletas precisam se unir e começar a falar, se engajar e reivindicar o que é justo. O Brasil precisa desse tipo de atitude – desesperadamente”, diz Élora.

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