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Vitória do regime

Balanço - Sucesso reforça liderança chinesa e legitima ação do Partido Comunista

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Por Cláudia Trevisan , correspondente e Pequim
Atualização:

A mais cara e grandiosa Olimpíada de todos os tempos foi a plataforma ideal para o Partido Comunista fortalecer sua posição perante os chineses e comunicar ao mundo que o antigo Império do Meio voltou a ocupar um lugar central no jogo de poder global. A organização impecável e o primeiro lugar no pódio das medalhas de ouro são um poderoso símbolo da crescente supremacia chinesa, fruto de três décadas de crescimento de 10% ao ano, algo inédito na história. A China da Olimpíada de 2008 é a terceira maior economia do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e Japão, e deverá chegar ao topo do ranking por volta de 2030. Com o encerramento dos Jogos ontem, a grande indagação é o que eles representarão para a China e sua relação com o restante do mundo. O legado físico é evidente: Pequim modernizou-se, construiu o maior aeroporto do mundo, dobrou a extensão do seu metrô e ganhou obras arquitetônicas espetaculares, como o Ninho de Pássaros e a nova sede da TV estatal, a CCTV. O impacto político mais evidente é o fortalecimento do Partido Comunista, que elevou seu cacife com a realização dos Jogos e a reunião na cerimônia de abertura de 80 líderes mundiais, incluindo norte-americano George W. Bush, o francês Nicolas Sarkozy e o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Ausente na primeira festa, o primeiro-ministro britânico Gordon Brown esteve no Ninho de Pássaros para assistir à entrega da bandeira olímpica a Londres. "Os Jogos foram o reconhecimento do poder político e da capacidade administrativa da China", diz Li Wei Hong, professor de sociologia da China University of Petroleum. O aumento da legitimidade do Partido Comunista parece afastar a possibilidade de abertura e reformas democráticas. Ao contrário, pode dar fôlego à receita que combina livre mercado e repressão política. "A idéia de que a Olimpíada vai transformar a China em uma sociedade aberta é e sempre foi uma ilusão", afirma Jeffrey Bader, diretor do John L. Thornton China Center do Brooking Institute. Mas ele avalia que os Jogos podem provocar mudanças a longo prazo, principalmente pela pretensão do Partido Comunista de que a China seja tratada como uma potência respeitada pela comunidade global. Para isso, o país tem que adotar padrões internacionais em questões como liberdade de expressão e direitos humanos, ressalta. Apesar da promessa feita pelo governo chinês ao Comitê Olímpico Internacional de que haveria avanços na questão dos direitos humanos, o que se viu foi um enorme retrocesso, sustenta a Human Rights Watch. "Os Jogos de Pequim colocaram um fim - para sempre - à noção de que a Olimpíada seria uma ?força para o bem?", afirmou Sophie Richardson, diretora da entidade para a Ásia. Segundo ela, os Jogos reforçaram a natureza repressiva do regime chinês e funcionaram como "catalisador" para uma série de abusos contra os direitos humanos, como a remoção forçada de milhares de pessoas de suas casas para dar lugar à remodelação da cidade; a prisão, perseguição e intimidação de críticos do governo e o aumento das violações à liberdade de imprensa. Os Jogos também revelaram a enorme tensão existente entre a maioria han, que compõe 91,6% da população chinesa, e as minorias, em especial os tibetanos e os uigures muçulmanos. Em março, os tibetanos realizaram os mais violentos protestos em duas décadas contra o domínio chinês. As autoridades de Pequim fecharam a região a jornalistas, turistas e diplomatas estrangeiros e as informações de grupos de tibetanos no exílio indicam uma avassaladora repressão na região. O próprio governo anunciou a prisão de 4 mil pessoas. Quase seis meses depois, o Tibete continua inacessível para a mídia estrangeira e há relatos de imposição de controles extremos sobre os monges budistas. Grupos de uigures muçulmanos de Xinjiang, no extremo oeste, são acusados de terrorismo e de realizarem atentados nos meses que antecederam os Jogos, o que também ampliou o espaço para atuação das forças de segurança da China. Li Cheng, do John L Thornton China Center, ressalta que o Partido Comunista terá de mudar a maneira como trata a diversidade étnica se quiser ser respeitado internacionalmente. "O governo tem de lidar com as minorias de maneira sensível e séria. A repressão e a demonização não funcionam." Outra grande interrogação deixada pela Olimpíada é o tipo de nacionalismo que os orgulhosos chineses irão demonstrar a partir de agora, depois do sucesso dos Jogos. Durante o percurso mundial da tocha olímpica, a face nacionalista que se revelou foi a do ressentimento em relação ao Ocidente, que David Shambaugh, professor da George Washington University, chama de defensivo. O outro é o "cosmopolita", mais tolerante às diferenças. Só o tempo irá dizer qual dos dois vai prevalecer.

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