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Vou torcer. Mas contra todos

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Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Não sou muito chegado em futebol. Acompanho pelos jornais, sem muito interesse, o que acontece com os diferentes times. Sou pacato, caseiro, trabalho na mesma firma faz muitos e muitos anos, sempre na mesma função. Não tenho nada contra ninguém, muito menos contra times e torcedores. Isso me deixa numa situação privilegiada para observar os acontecimentos ao meu redor. E tem acontecido coisas. Pra começar minhas noites, que até outro dia eram discretamente tranqüilas, agora passaram a ser agitadas. Explico: como todas as noites a televisão transmite a decisão de algum título, não tenho mais sossego. Porque agora parece que não há mais torcedores indiferentes. Cada gol que sai, não importa de que lado, é comemorado da maneira mais ruidosa possível. Para a multidão que torce a favor existe uma multidão ainda maior que torce contra. E dos dois lados a coisa está cada vez mais furiosa. Ouço foguetório intenso, palavrões, urros, exclamações de todo tipo saudando vitória ou derrota. Sem ser um especialista, me parece que antes as pessoas cujos times não jogavam se mantinham em aparente e fingida neutralidade. Agora não mais. Berram e comemoram a derrota de seus desafetos como se seu time estivesse jogando. Os torcedores do time que joga, por sua vez, berram e retribuem os insultos a cada gol. Mulheres, crianças, velhos e moços de todos os bairros da cidade, berram. E agora a coisa está tomando outra direção: tenho a impressão de já ter ouvido insultos dirigidos a pessoas determinadas. Estou quase certo de poder identificar vozes. Pessoas estão começando a dirigir xingamentos para vizinhos escolhidos. Sei quem é o são-paulino de tal andar, como sei quem é o palmeirense do prédio ao lado e o corintiano, cuja voz vem de algum lugar das redondezas. Talvez no dia seguinte se encontrem pela rua e se cumprimentem como se nada estivesse acontecendo. Mas alguma coisa está acontecendo. Os urros são cada vez mais furiosos de parte a parte e minhas noites estão cada vez mais agitadas. Estou antevendo a noite em que esses torcedores vão começar a mirar para os respectivos apartamentos com seus foguetes. E talvez berrem de emoção ao acertar alguém. Durante o dia é a mesma coisa. Como disse, trabalho num escritório e sou dos mais antigos. Nos velhos tempos discussões de futebol durante o expediente nem pensar. Mas não estamos mais nos velhos tempos. Logo cedo uma ligação do Rio chega à mesa do colega ao lado e percebo que, antes sequer do bom- dia, o carioca vibrando de alegria, cumprimenta seu interlocutor efusivamente, como se só a qualidade de paulista já lhe desse méritos pela derrota e eliminação do Botafogo da Copa do Brasil. De quebra, praticamente sem se interromper, passou a falar da eliminação do Vasco.Quase perguntou se havia algum pernambucano pelo escritório a quem pudesse agradecer. Para sua surpresa se deu muito mal.O paulista que recebeu a ligação tinha torcido exatamente pelo Botafogo, tinha soltado foguetes quando o jogo empatou, detestava o Corinthians e estava de péssimo humor. Da frieza que se estabeleceu chegaram pouco depois á troca de ameaças. Do meu lado, não sei por quanto tempo vou conseguir me manter indiferente a tudo isso. Mais e mais tenho pensado em me incorporar à grande massa dos que torcem. Meu grande medo é ser único a torcer contra todos.

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