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Xadrez muda a rotina de diarista em Macaíba: 'Ano novo, vida nova'

Aos 24 anos, Cibele Florêncio foi ao Mundial da Polônia e se divide entre faxinas de dia e treinos à noite

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Por Caio Possati
Atualização:

“Ano novo, vida nova”. O que para muitos é uma mera expressão trivial, para Cibele Florêncio, natural de Macaíba (RN), é o resumo literal dos seus primeiros dias de 2022. Desde que voltou ao Brasil em 1º de janeiro, depois de ter disputado o Campeonato Mundial de Xadrez, em Varsóvia, na Polônia, a potiguar de 24 anos vive os efeitos de ser uma das melhores enxadristas do Brasil. 

Universidades, referências do xadrez e a imprensa disputam um espaço na agenda de Cibele, interessados em saber como ela, que trabalha fazendo bicos de faxinas e auxiliando a mãe no comércio de marmitas, conseguiu se tornar destaque no xadrez mundial.

Cibele Florêncio, de 24 anos, é diarista e uma das melhores enxadristas do Brasil. Foto: Arquivo Pessoal

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Cibele é atenciosa, mas não costuma dar muitos detalhes nas respostas. É objetiva, como se houvesse um tempo determinado para responder. Um costume que talvez ela tenha adquirido com a pressão de jogar sob a obrigação de ser rápida. Em Varsóvia, uma possível vitória deixou de acontecer porque a brasileira não foi ágil o bastante e deixou o “seu tempo cair” — usado quando o tempo para uma jogada se esgota. “Eu estava com 98% de chance de vitória, mas eu perdi porque o meu tempo esgotou e isso fez ela ganhar. Ela (a adversária) perdeu no jogo, mas ganhou no tempo”, lamentou Cibele.

Na Polônia, a brasileira disputou 20 jogos. Alguns contra grandes-mestres ou mestres internacionais, como se espera de um torneio mundial, onde se reunem as melhores enxadristas do mundo. Mesmo não conseguindo vencer nenhuma delas, disputar um torneio internacional, o primeiro da carreira, já foi uma experiência válida para Cibele. “Participar de um mundial foi um sonho realizado. Foi maravilhoso. Estar entre as melhores do mundo, e com jogadoras que eu admiro, foi uma experiência inexplicável”, avaliou. 

A experiência, contudo, por pouco não pôde ser vivida. A potiguar ganhou o direito de disputar o mundial na Polônia depois de ser vice-campeã brasileira de xadrez em um torneio realizado no Rio Grande do Norte, em dezembro de 2021. Mas, sem condições financeiras para bancar toda a viagem, ela contou com a ajuda de uma rede de médicos que pagaram parte dos custos que Cibele teve na Europa depois de conheceram a sua história por uma emissora de uma rádio de Natal.

Cibele conheceu o xadrez aos nove anos, por meio do projeto “Xadrez Macaeibense”, que incentivava crianças a praticar a modalidade nas escolas, e subsidiava a inscrição dos jogadores em campeonatos. 

Desde as primeiras aulas ela mostrou facilidade para entender os atalhos do jogo e não tinha dificuldades para vencer as amigas e adversárias. Ao notar que Cibele levava jeito para o esporte, seu professor a levou para disputar a primeira competição. Ela ficou em em segundo lugar. Na adolescência, o talento descoberto na infância foi sendo lapidado. Porém, as dificuldades para conseguir treinar e competir inistiam em acompanhar Cibele. E tudo ficou ainda mais difícil depois que o projeto Xadrez Macaibense se encerrou. 

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DIFICULDADES

Hoje, sem ter aulas e sem professor ou treinador, Cibele é praticamente autoditada. Tenta aprimorar o seu jogo praticando xadrez com a sua irmã e jogando em aplicativos no celular. Os treinos, porém, acontecem só à noite, depois que Cibele passa o dia ajudando a mãe no comércio de marmitas da família ou fazendo bicos de faxina que podem aparecer até nos finais de semana. “Eu chego em casa muito cansada. O único horário que resta para treinar é à noite, depois de ter trabalhado o dia todo.”

Além das dificuldades estruturais que muitas vezes limitam Cibele de estar presente nos torneios, ela menciona também que quando consegue se inscrever e participar de uma competição, precisa lidar com outro problema: o preconceito. “Quando eu era pequena, algumas meninas mais ricas não me cumprimentavam depois dos jogos. Isso me magoava um pouco”, lembra. “Em torneios abertos, eu percebo que homens chegam a subestimar a adversária por ser mulher. E acabam perdendo”. 

Para Cibele, 2022 tem se apresentado como um ano que pode marcar um ponto de não retorno na sua vida. Somente em uma semana, ela já recebeu convites para cursos que ensinam xadrez e relatou que grandes mestres vieram procurá-la para oferecer aulas e orientações. 

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Ela revelou também que na última quarta-feira, 5,  uma faculdade de Natal lhe procurou para oferecer uma bolsa de estudos para o curso de sua preferência. Apesar da enxadrista ainda estar em dúvida, ela já tem uma resposta encaminhada: “Acho que vou escolher Educação Física”.

Mas, a melhora que Cibele mais espera mesmo é a de conseguir um emprego fixo que não a desgaste tanto a ponto de impedi-la de treinar à noite, e que a remunere bem o suficiente para custear as inscrições nos campeonatos. “Isso já faria muita diferença”, diz a enxadrista, que não ousa em pensar de forma modesta: "O meu maior desejo é viver do xadrez e, um dia, ser campeã mundial".

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