O cavaleiro Mario Appel coloca o pé direito em cima da trave de equilíbrio localizada perto do portão 7 do Parque Ibirapuera, em São Paulo. Depois, o esquerdo. Acha o prumo, firma o corpo, sobe e começa a jogar as três claves para cima fazendo malabarismos. Ele faz o percurso de ida e volta na trave com os malabares voando na altura dos seus olhos. O equilíbrio e a concentração são perfeitos, mas tem alguma coisa errada: um cavaleiro fazendo malabarismo? Cadê o cavalo?
Esse é o xis da questão do treinamento inovador de Mario e outros 11 integrantes da equipe brasileira do Concurso Completo de Equitação (CCE) para buscar uma vaga nos Jogos Rio 2016. É um treinamento que alia meditação, exercícios físicos e até técnicas circenses para melhorar a concentração, equilíbrio, reflexo, coordenação motora, fluidez, controle emocional, enfim, todas as qualidades de que eles precisam quando estão com o animal.
O treinamento é aplicado pelo preparador físico Renato Cobra, que se inspirou no método criado por seu pai, Nuno Cobra, um dos responsáveis pela preparação do piloto Ayrton Senna. “A ideia é lapidar continuamente todos os aspectos que determinam a alta performance”, diz Cobra, que também estudou Filosofia e Medicina Chinesa.
Os cavaleiros celebram a evolução. Horas depois do treinamento no parque, Appel cavalga com Ubi, seu cavalo de velocidade, no Clube Hípico Santo Amaro. Ele compara a única falha que cometeu ao longo do treinamento à clave que havia caído de sua mão lá no parque. “O desafio é manter a concentração constante. Tudo o que eu aprendo lá eu uso aqui.”
Appel já tem o índice olímpico, teve algumas classificações no circuito Senior Top em 2015 e também em Wellington, nos Estados Unidos, mas ainda persegue a vitória em um GP importante. “Eu tinha muita garra e eu muito reativo. Aprendi a ser mais suave. Atento, mas com delicadeza”.
Gabriel Cury, uma das promessas da modalidade, afirma que o treinamento ajuda a suportar os momentos de pressão. Em 2015, no dorso de Grass Valley, levou o prêmio de melhor Young Rider (até 25 anos) em Badminton, na Inglaterra, no torneio mais tradicional da modalidade e qualificatório para os Jogos Olímpicos. “Estou mais focado. Hoje eu consigo esquecer a atmosfera que cerca a prova e me concentrar mais.” Detalhe: cerca de 300 mil pessoas acompanharam o torneio cross-country em Badminton.
O jovem cavaleiro ajudou o Brasil a conquistar um resultado inédito: a quarta colocação individual na final da Copa das Nações no CCE, em Boekelo, na Holanda, ano passado. “Todos os exercícios que fazemos aqui buscam melhorias com o cavalo”, diz Cury.
Renato trabalha com os cavaleiros há 15 anos. O primeiro gostou, indicou para os colegas e a corrente foi crescendo. O problema é conciliar o treinamento com as viagens – a maioria dos cavaleiros se prepara fora do País. Gabriel, por exemplo, viajou na última quarta-feira para a Inglaterra.
Caio Sérgio de Carvalho, diretor de Saltos e chefe da equipe brasileira nos Jogos Olímpicos, afirma que os atletas têm liberdade para aperfeiçoar sua formação e buscar os melhores treinamentos. “O próprio cavaleiro procura melhorar sua condição física. Além disso, as competições, como a Copa das Nações, ajudam no controle emocional e no desenvolvimento do espírito de equipe.”
O CCE é a modalidade mais completa do hipismo e considerada o triatlo equestre. É formada por três provas: adestramento, cross-country e saltos. Vence quem tiver o melhor resultado na soma das três.
No adestramento, o cavaleiro deve conduzir o cavalo para executar movimentos obrigatórios, como passos, trotes e galopes, coreografados ao som de uma música. Nesse caso, o cavalo responde a estímulos do peso do cavaleiro. Por isso são importantes a leveza e a harmonia. “Se eu não encontrar o equilíbrio, o cavalo também fica torto”, exemplifica Gabriel.
No cross-country, o conjunto percorre um percurso externo com obstáculos inspirados no campo. A preparação para essa prova inclui uma sequência de piruetas em uma barra fixa, que lembra os exercícios da ginástica. “O trabalho de superação gera atitude”, define Renato Cobra.
Nos saltos é preciso transpor obstáculos móveis de diferentes alturas mostrando controle e precisão. O preparador físico explica que aquele treino que Appel fez lá no início, andando na trave, simboliza o começo, meio e o fim de uma prova. “O cavaleiro tem de estar preparado para controlar a ansiedade, principalmente quando se aproxima do fim. Por ali é possível descobrir o comportamento do atleta”.
Já deu para perceber que esses ensinamentos não valem só para o hipismo. Prova disso é que Renato já passou por outras modalidades, como atletismo e vela. E chegam também à vida de pessoas comuns, principalmente empresários e profissionais que buscam melhorar a performance diária.
O próprio Appel é executivo do ramo alimentício e levou uma barra fixa para o escritório da sua empresa, presente na lista das que mais crescem no segmento PME nos últimos cinco anos. “Quando você impõe desafios para o corpo e consegue superá-los, você ganha confiança em todas as áreas. E isso volta para a vida”, diz Renato.
Gabriel, que também tem o índice olímpico, afirma que sua vaga na Olimpíada está bem encaminhada. E já programou um treinamento com Renato uma semana antes dos Jogos.
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