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'Espero que os atletas não chorem no Hino Nacional'

Campeão olímpico fala da pressão que haverá no Rio

Por AMANDA ROMANELLI
Atualização:
Joaquim Cruz mora nos EUA e veio ao Brasil lançar sua biografia Foto: Sergio Carvalho - Estadão

Como faz todos os anos, Joaquim Cruz veio para o Brasil para uma breve passagem. Desta vez, o ex-corredor teve um motivo especial: lançar Matador de Dragões, sua biografia, escrita por Rafael de Marco. Campeão olímpico dos 800 metros em 1984, Cruz é técnico no Centro de Treinamento de Chula Vista, na Califórnia – ele vive nos Estados Unidos há mais de 30 anos. Além de falar de seus atletas americanos, contou um pouco sobre o projeto Rumo ao Pódio Olímpico, criado quatro anos atrás, em Brasília, com o objetivo de revelar atletas para os Jogos Olímpicos de 2020. Às vésperas da Olimpíada e Paralímpica do Rio, Joaquim mostra preocupação com a falta de cultura esportiva no País e com a pressão que os atletas vão enfrentar. “Espero que não ajam como os do futebol, como todo mundo chorando na hora do Hino Nacional.” Como surgiu a biografia? Em 2000, o Sérgio Coutinho Nogueira, diretor do clube BM&F Bovespa, me apresentou a ideia. A gente ia lançar próximo da Olimpíada de 2004, e não deu. Veio 2008, não deu, e em 2012 também não. Mas aí falei que agora tinha que sair. Quando começaram as entrevistas, descobri coisas que não sabia. Ouvindo a história contada pela minha mãe, descobri que meus sonhos não começaram comigo, mas com ela. Ela saiu de Corrente, no Piauí, com cinco filhos, e passou 14 dias num pau de arara para chegar em Brasília. Se ela não tivesse tomado certas decisões, o Joaquim corredor jamais teria existido. 

O livro se chama 'Matador de Dragões'. Quais foram os que você abateu? Foram vários. No início da minha carreira, com 14 e 15 anos, eram eles que me abatiam. Desenvolvi uma úlcera nervosa porque não sabia controlar meus dragões internos. Ao longo dos anos aprendi a gerenciar minha ansiedade, os meus dragões, porque eles eram mentais. Fui um atleta muito intenso, sofria com isso. Quais são suas atividades nos EUA? Continua dedicado ao esporte? Meu trabalho principal é com os paralímpicos. Estou com nove atletas, trabalhando praticamente com todas as classes. Tenho cadeirantes, cegos, PC (paralisia cerebral) e amputado. A maior dificuldade é convencê-los a serem atletas 24 horas por dia, e não só no momento em que estão comigo. E, como estou no centro e sou um campeão, o USOC permite que alguns atletas de meio-fundo trabalhem comigo. Tenho dois atletas convencionais lá, embora o centro seja especializado em arremessos, lançamentos e provas combinadas. E você ainda cuida de projetos no Brasil. Em toda a oportunidade que tenho, vou visitá-los. Na terça-feira, estive com a equipe do Rumo ao Pódio Olímpico. Não foi um encontro muito positivo porque coloquei pressão no pessoal. Estou na fase de criar uma cultura de vencedores. Infelizmente, só temos uma cultura, a do futebol. O Brasil perdeu a Copa, e perdeu feio, mas antes ninguém pensava que o Brasil poderia chegar em segundo lugar, porque só existe o primeiro. No atletismo, ninguém pensa assim. Nos EUA, eu só falo sobre pódio. Aqui, não se fala em preparar o atleta para ganhar medalha. Que perspectiva você tem para o atletismo brasileiro em 2016? Esse é o ano do Mundial de Atletismo, que será na China, em agosto. Em setembro, vamos ter uma ideia do desempenho no ano que vem. Quem não chegar às finais agora dificilmente vai chegar em 2016. E quem for sétimo, oitavo, dificilmente vai ao pódio. Em 1983, fiquei em terceiro no Mundial e terminei o ano como terceiro do ranking. Foi um impulso para eu me preparar para a Olimpíada – eu já estava no pódio, só tinha que melhorar minha posição. É assim que tem sido. Nós temos a Fabiana Murer, do salto com vara. Se ela conseguir se manter saudável, pode corrigir o erro que cometeu em Londres. Os outros, vai ser muito difícil. Além dessa falta de cultura, os atletas vão ter a cobrança da vitória. Como lidar com isso? O atleta já está enfrentando essa situação, desde agora. Em Los Angeles foi difícil mas, antes da prova, não pensava no Brasil, estava completamente desligado disso. Agora, no Brasil, não tem como. Não sei se a mídia e a família vão dar sossego. Não sei como a torcida brasileira vai se comportar. O brasileiro, infelizmente, não conhece muitos esportes. Os nossos atletas vão ter muita pressão e espero que eles não ajam como foi no futebol, com todo mundo chorando na hora do Hino Nacional, deixando escapar aquela emoção, aquele fogo que você tem que manter e usar no momento certo. O campeão olímpico é quem tem controle total das emoções. Campeão olímpico, você ainda gosta de correr? Tento correr todos os dias, não é obrigação. Corro para poder comer. Engordei uns sete, oito quilos, e tenho 52 anos, né? Também não entro mais na quadra de basquete porque não quero me machucar. Então fico nas minhas corridinhas, fazendo um peso, e de vez em quando sirvo de guia para os meus cegos.

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