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Família crê que suspeito de planejar atentado foi preso por falar árabe

Mãe de suspeito diz que suspeito falou para policiais que 'ia cooperar' pois 'não devia nada'

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Por Bruno Ribeiro
Atualização:

Os agentes da Polícia Federal que cumpriram um dos mandados de prisão nesta quinta-feira contra acusados de terrorismo foram prender um dos suspeitos, o ajudante de funileiro Vitor Barbosa Magalhães, de 23 anos, em um endereço errado. Segundo seus familiares, foi o próprio rapaz que se apresentou aos agentes e abriu sua casa – onde mora com mulher e filhos, em Guarulhos, Região Metropolitana de São Paulo – antes de ser detido pelos policiais.

A família acredita que Magalhães entrou na mira da operação antiterrorismo por ser muçulmano e falar árabe. O jovem tem quatro vídeos no Youtube em que ensina o idioma. Há quatro anos, segundo os familiares, ele esteve no Egito em um programa de intercâmbio para aprender a língua, onde ficou por seis meses. A dona de casa Larissa Rodrigues, de 24 anos, mulher de Vitor, definiu a prisão como "tranquila". "Os policiais estavam calmos, foram educados, se preocuparam em não serem vistos pelas crianças", conta Larissa, referindo-se aos filhos de 2 e 5 anos. "Eles foram na minha casa, que fica na rua de cima. Quando chegaram, tocaram muito a campainha, logo cedo. Perguntaram se o Vitor morava lá e expliquei que não", conta o funileiro Francisco Barbosa Magalhães, de 49 anos, seu pai.

Francisco e Rose, pais de Vitor Barbosa de Magalhães Foto: Alex Silva/Estadão

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Ainda segundo o funileiro, quando soube que os policiais estavam atrás do filho, ele os levou até a casa onde o acusado vive com a família – o imóvel ocupa o segundo andar da funilaria da família. "Ele falou que iria cooperar, que não devia nada. O mandado de busca não era para a casa dele, mas ele falou que os policiais podiam entrar", diz a mãe Rose Barbosa Magalhães, de 47 anos. "Achei que fosse terminar ali, não sabia que iriam levá-lo", lembra, aos prantos.

Uma foto do rapaz, durante o intercâmbio, ilustrou uma reportagem sobre brasileiros que teriam jurado lealdade ao Estado Islâmico publicada na semana passada. "Ele falou que não tinha nada a ver, que ele mesmo nem tinha essa foto", conta sua mulher. "A gente ia processar a revista", conta.

HISTÓRICOA família do acusado é católica. Já ele se converteu ao islamismo, segundo sua mãe, depois do contato com a língua árabe, que ele se dedicou a aprender. "Ele é meu orgulho, sempre foi muito estudioso e inteligente", contou Rose, que é dona de casa, na porta da casa do filho, nesta quinta à noite, poucas horas depois da prisão.

O rapaz passou parte da infância na Freguesia do Ó, zona norte de São Paulo, mas se mudou com a família para Guarulhos quando tinha 6 anos e o pai adquiriu um terreno. Frequentou as escolas da cidade. Ele trabalha como ajudante na oficina do pai, no bairro Bonsucesso, de Guarulhos. Vive em uma casa construída no segundo andar do lugar, desde que voltou do Egito. O trabalho, segundo o pai, é desgastante e exige muito esforço. O dinheiro é suficiente apenas para pagar as contas. "O que ele gosta é de ficar com os filhos e de comer. Ele adora comer", diz a mãe, destacando o porte físico forte do rapaz.

Larissa é mulher de Vitor e mãe de seus filhos Foto: Alex Silva/Estadão

O interesse pela língua árabe foi o que o levou ao Egito, quando tinha 19 anos. "Eu não sei como ele conseguiu o intercâmbio. Não sei quem deu. Mas a gente apoiou, era uma oportunidade única. Quanto custa uma viagem dessas, R$ 8 mil? Jamais teríamos esse dinheiro", conta a mãe. "Eu não quis que ele fosse. Falei para não ir. Estava com filho pequeno. Mas conversamos muito, achamos que seria uma oportunidade para ele ter uma profissão melhor, por isso aceitei. No fim, foi muito bom", conta a mulher do acusado.

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A conversão para a religião muçulmana também foi outra surpresa – essa, segundo os familiares, com menos resistência. "Eu não soube o que achar na hora. Mas a gente era mais jovem, ele quis buscar uma religião e achou. Depois, ele ficou mais calmo, mais seguro. Foi uma mudança muito boa. Meu marido ama muito os filhos, é um cara 'só trabalho'. Eu o amo muito", continuou a mulher. O ajudante de funileiro frequenta uma mesquita no Pari, zona norte de São Paulo, segundo sua mulher. "Já fui lá com ele algumas vezes. Gosto", diz a jovem. A mãe destaca o fato de ele fazer as orações diárias.

Para a família, o interesse pelo idioma e a conversão religiosa foram resultados da natureza curiosa de Magalhães, que sempre gostou de fazer pesquisas na internet e conhecer coisas e culturas novas. A vontade dele era ensinar, segundo a mulher. "Eles está fazendo licenciatura, quer dar aulas de inglês", conta Larissa. Para o pai, seria a chance de o filho ter uma renda sem depender do trabalho braçal da oficina.

INTERNETA relação com outros muçulmanos, entretanto, não ocorre no meio familiar. Magalhães procura as redes sociais e para manter contato com outros falantes de árabe e interessados no idioma. "Fui eu quem gravou os vídeos que ele fez no Youtube, ele gosta muito", diz a mulher. Larissa é enfática em afastar essas relações com planejamento de ataques terroristas. "Olha, meu celular está quebrado, os dos meus filhos quebraram. Então, uso o telefone dele. Eu vejo o telefone o tempo todo. Quando a polícia chegou, eu que estava com o telefone. Estava vendo um vídeo", conta. O aparelho foi levado pelos policiais, que também apreenderam um computador.

Já o pai não descarta que outros dos presos na ação desta quinta pudessem ter contato com o filho por meio das redes socais. "Pode ser que ele conhecesses alguns dos outros, sim. O problema é que, pelo que vi, parece que um deles tentou comprar uma arma. Aí começaram a prender", cogitou o funileiro Francisco. Os familiares disseram que Magalhães foi levado para um presídio, e que não há previsão de que ele possa receber visitas.

"Ele me abraçou, pediu para eu ficar calma, que não tinha nada de errado e que era só ajudar os policiais que ia ficar tudo bem. Eu achava que ele fosse prestar depoimento e ser liberado ainda hoje (quinta-feira)", contou. "Pode ser que ele conheça algum dos outros presos, porque ele estava em grupos para falar árabe. Mas o problema, me disseram, foi que uma pessoa quis comprar uma arma."

 

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