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Herança Olímpica

Se roubo houve, não tira responsabilidade alguma das autoridades brasileiras

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Por Ugo Giorgetti
Atualização:

Não queria estar na pele do prefeito do Rio, Eduardo Paes. Está sozinho para explicar e defender um evento político do qual os idealizadores já não fazem parte do poder e que seu atual detentor finge que não é com ele, como se não tivesse também participado da concepção tanto da desastrada Copa de 2014 quanto desses jogos olímpicos. E assim um dia sim outro também, topamos com entrevistas do prefeito do Rio.

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Sexta-feira última deu uma para este jornal que certamente é um dos documentos mais extravagantes que tenho lido nos últimos dias. Indagado sobre o improviso que originou protestos de muitas delegações Eduardo Paes saiu-se, de maneira resumida, com o seguinte: “não houve atraso ou improviso, houve roubo. Durante três meses os apartamentos já prontos foram invadidos, e muita coisa roubada. Não tinha nenhum apartamento sem privada, sem luminária. Isso tudo foi roubado ao longo desses três meses, não me pergunte por quem. O pior é que nada que nada foi comunicado pelo COI, a não ser na quinta feira passada.

É um problema de segurança e gestão. Não tinha nenhum brasileiro comandando a Vila dos Atletas estrangeiros. Pelo menos, não cai na conta de que brasileiro é desorganizado. O comandante é o Mario Cilenti (diretor da Vila Olímpica, argentino)”. A crer no prefeito, é verdade, não cai na conta de que brasileiro é desorganizado, cai na conta de que brasileiro é ladrão. Porque não foram evidentemente estrangeiros que depenaram os apartamentos. E ladrão mixo, que rouba privadas, maçanetas, lâmpadas etc, etc.

Se, de novo, isso é verdade, só restava ao prefeito, ou à alguma autoridade, ter chamado atenção do COI para essa nossa curiosa característica nacional. Não alertados, é evidente que possam ter suposto estar num lugar minimamente civilizado e não lhes tenha ocorrido postar guardas armados 24 horas à porta de apartamentos vazios e desabitados. Por isso, se roubo houve, não tira responsabilidade alguma das autoridades brasileiras. Porque nós sabemos quem somos. Os outros, não.

Todos nós já ouvimos falar em roubos de tampas de bueiro, orelhões, fios elétricos, cachorros, etc. E talvez seja dessas lembranças que Paes se vale para mascarar a verdade, isto é, obras feitas de modo inepto, canhestro, desorganizado e irresponsável, o que não deixa de ser também uma das nossas características. E essa um pouco mais do conhecimento mundial. Eu, pessoalmente, não acredito no roubo, mas é só uma opinião. A entrevista segue com o prefeito sempre defendendo o legado que a Olimpíada deixará para a cidade do Rio de Janeiro, como as mudanças nas regiões portuárias, saneamento e drenagem.

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É estranho: ou as Olimpíadas são milagrosas ou isso nada teria a ver com ela, mas com administração eficiente de qualquer governo em qualquer época. Disse também de que não houve recursos públicos para a Olimpíada. Será? Mas se não houve públicos devem ter havido recursos privados. E de onde vêm? Talvez já tenham sido divulgados mas, só para refrescar a memória, quem são os grandes financiadores dos Jogos? Não entendo muito de finanças esportivas, passo longe disso.

Mas me agradaria saber quem financia as obras da Olimpíada. Falando em legados há outro do qual nada se falou, mas que certamente vamos enfrentar. Quando os nossos hóspedes forem embora, felizes e contentes, espero, haverá algo que não levarão. Trata-se da dúzia, ou pouco mais do que isso, de acusados de simpatias com o EI, atualmente encarcerados. São brasileiros e aqui ficarão. Serão soltos? É provável, porque até agora não se tem nada contra eles, além de vagas suspeitas. Mas, pergunto, mesmo se libertos, não restarão ressentimentos e ódios? Somos vistos, em qualquer lugar do mundo, mesmo os mais conflituosos, com simpatia e até amizade. Continuaremos a sê-lo? Heranças são frequentemente surpreendentes.

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