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Maior que o Rio

Espetáculo olímpico não esconde nem absolve pecados do Rio. Mas que ofusca, ofusca

Por Sérgio Rodrigues
Atualização:

Espero não ferir os brios do Rio, cidade que escolhi para viver e onde nasceram meus filhos, ao dizer que os Jogos Olímpicos são muito, muito maiores do que sua sede da vez. Esta é só uma hospedeira, um recipiente, um palco provisório entre tantos outros. O mau humor olímpico de grande parte dos cariocas – e brasileiros em geral – não deixa de refletir certa falta de humildade.

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Acontece que o mau humor tem “carradas de razão”, para repetir Chico Buarque. São Sebastião continua crivado de flechas como na apocalíptica canção “Estação derradeira”. Quando o circo olímpico for embora, quem vive aqui não irá junto, e nesse sentido deve-se reconhecer uma verdade oposta à do parágrafo anterior: o Rio é maior do que o evento internacional da vez.

As duas verdades se desmentem, claro, mas uma não é menos verdadeira que a outra: quem disse que o mundo seria simples estava mentindo. Reside aí a pobreza da polêmica que nos últimos dias é encenada em mesas de bar reais e virtuais.

De um lado, aves negras antecipando catástrofes em série, com direito a nuvens de enxofre e humilhações de fazer o 7 a 1 parecer vitória. Do outro, polianas apostando no clichê da magia carioca para prever as Olimpíadas mais maravilhosas de todos os tempos.

Nos dois casos, olha a falta de humildade aí outra vez. Embora o receio de um atentado terrorista passe longe da paranoia no atual estado do mundo, o mais provável é que os Jogos do Rio não sejam superlativos nem para o bem nem para o mal. Que transcorram como os outros, com defeitos e qualidades, sustos e trunfos. 

Aqui se beneficiando da beleza natural da cidade, que é sem favor uma das mais estonteantes do planeta. Ali se ressentindo das precariedades de infraestrutura e capacidade de organização que vêm no mesmo pacote. E assim por diante. No fim das contas, sendo movidos em velocidade de Usain Bolt pela força de uma narrativa que é basicamente esportiva e que nada deve a prefeitos, engenheiros civis, autoridades de trânsito e tropas do Exército. Destes, o que se espera é que não atrapalhem muito.

Sim, a pergunta já flutua no ar salgado da cidade e será mais estridente quando o último convidado for embora e a gente se deparar com o salão imundo: qual foi o saldo dos R$ 40 bilhões investidos (desperdícios e desvios criminosos à parte) na preparação para a festança? Valeu a pena?

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Mais do que inevitável, a preocupação revela amadurecimento cívico, ainda que por enquanto disfarçado de saco cheio generalizado. Saco cheio de incompetência, roubalheira, descaso, caô, prioridades duvidosas, asfalto novinho que dura duas semanas, rede de esgoto que não existe, político mancomunado com empreiteiro. Saco cheio, enfim, do ancestral vício brasileiro de jogar o interesse público na privada.

Só que essa história vem de longe e não se resolverá tão cedo – e as Olimpíadas são agora. Outra lógica está prestes a se impor. Basta que os devidos apetrechos estejam em cena no momento em que a cortina se abrir para que ocorra a mágica do espetáculo.

Porque neste palco provisório, como nos outros palcos provisórios por onde passou o circo, vai baixar um tal de espírito olímpico. Os apetrechos em si não importam tanto. Haverá fiação à mostra e restos de serragem no chão, sempre há. 

Mas o show vai começar e as imperfeições têm tudo para ser ofuscadas pelos emocionantes jogos de luz e sombra, dor e superação, alegria e tristeza, glória e desapontamento – o drama cheio de efeitos especiais que conhecemos bem. O mesmo que se encena de quatro em quatro anos em outros palcos do mundo e que agora temos o privilégio de ter em casa. 

Os Jogos Olímpicos são maiores do que o Rio, ainda que o Rio seja maior do que os Jogos Olímpicos. Eis a beleza da coisa.

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