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Melhores momentos

As coisas memoráveis na Olimpíada são mais aleatórias do que se pode planejar

Por Vanessa Barbara
Atualização:

Naquela noite, ao sair do Maracanãzinho, eu já não lembrava mais quem havia vencido o principal jogo do dia, ocorrido no início da tarde: Itália ou Estados Unidos? O time perdedor chegou a ganhar algum set? O saque mais veloz passou dos 120 km/h? 

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Lembro apenas que um jogador da equipe italiana tinha o sobrenome Piano e que provavelmente devia reclamar que carregava o time nas costas. E que, na partida seguinte, um morcego entrou no ginásio e começou a apavorar o público. Ouvíamos uma comoção inesperada em algum canto e sabíamos que era o mamífero voador dando rasantes nas perucas coloridas dos torcedores e fazendo palpitar as senhoras de bem. 

Eu e Gigio, que estávamos sozinhos no nosso setor - no último andar, onde a visão era parcialmente obstruída por uma barra de ferro -, decidimos que era hora de torcer de forma desvairada pela seleção do Irã, que até então apanhava da Polônia. Foi quando baixou o espírito de cem aiatolás na quadra e o time reagiu, levando a partida para um inacreditável tie-break. Ainda que diminuta, a torcida agora parecia entrar em trabalho de parto: urros guturais e possessões semidemoníacas tomavam conta de gente que mal sabia qual era o idioma oficial do Irã. Para nossa tristeza, a Polônia venceu por 18 a 16, e um dos iranianos mais exaltados quase saiu na briga com um adversário, à la Márcia Fu. O morcego continuava na área; uma das funcionárias passou um bom tempo mantendo aberta uma das cortinas do nosso setor, na esperança de que o quiróptero encontrasse seu caminho para a liberdade. 

Sei que, daqui a um tempo, só vou me lembrar desse morcego e de ter torcido desesperadamente para o Irã; talvez nem me recorde qual era a modalidade e se foi no Rio ou em Londres. A verdade é que as coisas realmente memoráveis da Olimpíada são muito mais aleatórias do que se pode planejar. Da Rio- 2016, as pessoas vão se lembrar do nadador etíope Robel Kiros Habte, e não de quem efetivamente ganhou a prova. Podem até exaltar Michael Phelps e Simone Biles, mas uma das imagens mais marcantes será a de uma salva-vidas entediada, quase bocejando em seu posto junto à piscina olímpica. Ou aquele momento, aos 40 minutos do segundo tempo, em que a seleção de Fiji perdia de 10 a 0 da Alemanha e a torcida brasileira começou a gritar “Eu acredito!”. 

Reclamei das vaias na semana passada, mas na zoeira a torcida brasileira é exemplar. Meu episódio favorito até agora ocorreu durante uma luta de boxe, quando a torcida puxou Pelados em Santos para incentivar um atleta equatoriano chamado Mina. Outro grande momento de algazarra olímpica foi quando o DJ do vôlei de praia botou pra tocar Dança do Ventre, do É O Tchan, em apoio à dupla do Egito. Ou quando os cazaques começaram a puxar um coro pelo judoca Yeldos Smetov, só que o grito se assemelhava de alguma forma à palavra “Osasco”. Dali em diante, a torcida brasileira começou a gritar apaixonadamente o nome da cidade paulista, e o atleta ganhou a prata. (A propósito: alguém sabe por que a delegação do Cazaquistão foi ovacionada no Maracanã durante a abertura?)

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Na semana passada, no Twitter, o comediante Bill Murray declarou que todos os eventos olímpicos deviam incluir pelo menos uma pessoa normal competindo como referência. Numa disputa como esta, em que os atletas são sobre-humanos que funcionam de forma quase perfeita, o que marca muitas vezes é o prosaico: por exemplo, a capitã da seleção australiana de futebol tentando tomar água de uma garrafinha que estava de ponta-cabeça, e foi repreendida por uma companheira, que lhe mostrou o lado certo e depois chacoalhou a cabeça, incrédula. Um jogador de basquete chamado Nenê Hilário. O momento em que o zagueiro iraquiano Alaa Ali tentou mostrar algo para seus companheiros apontando para o lado. E quando, numa luta de boxe, o público decidiu torcer para o juiz. A gente gasta 38 bilhões, mas se diverte.