Rivalidade entre Brasil e França cresce nos Jogos Olímpicos do Rio

Troca de provocações chega até às redes sociais

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Por Ubiratan Brasil
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No início, o alvo era um velho conhecido – rivais tradicionais, os argentinos foram vaiados pela torcida brasileira já na cerimônia de abertura do Rio-2016 e assim continuaram nas disputas seguintes, como no basquete e no vôlei masculinos. Em seguida, surpreendidos com a evolução do boxe nacional, que lhe impôs importantes derrotas, os cubanos, outrora ‘muy amigos’, despertaram uma tremenda antipatia e foram imediatamente tachados de marrentos. Mas nada se compara à animosidade crescente entre brasileiros e franceses – em praticamente todas as modalidades em que houve confrontos entre as duas nacionalidades (e não foram poucas), os franceses reagiram tão mal aos apupos dos torcedores que, nas arquibancadas, foi tomada uma decisão: às favas a cordialidade olímpica: a França tornou-se o rival número 1.

Thiago Braz e Renaud Lavillenie formaram uma das rivalidades entre Brasil e França Foto: AFP

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As primeiras rachaduras no bom relacionamento surgiram na sexta-feira, dia 12. O judoca francês Teddy Riner conquistou o bicampeonato olímpico entre os pesos pesados (acima de 100 kg) e alcançou a marca de 112 lutas de invencibilidade. A competição seguia seu rito normal até o momento em que Riner derrotou o brasileiro Rafael Silva. O suficiente para se tornar uma persona non grata. Mas bastou pedir silêncio ao fazer o tradicional gesto de colocar o indicador na frente dos lábios para Riner descobrir quantos desagradáveis decibéis tem uma estrondosa vaia.

Mas o pior estava por vir. Engenhão, palco das competições de atletismo, segunda-feira, dia 15. O francês Renaud Lavillenie ostentava uma indisfarçável certeza de que venceria novamente no salto com vara, mas foi surpreendido pelo brasileiro Thiago Braz, que terminou com a medalha de ouro. Lavillenie, que já fechara a cara ao ter suas tentativas de salto acompanhadas por vaias e não pelo tradicional aplauso ritmado, soltou o verbo ao ter de se contentar com a prata. “Isso é para futebol, não para o atletismo. Em 1936, o público estava contra Jesse Owens. Não víamos isso desde então”, desabafou ele, referindo-se à olimpíada de Berlim, organizada pelo governo de Adolf Hitler. Ou seja, chamou os torcedores brasileiros de nazistas.

Foi o suficiente para detonar uma guerra mundial no campo de batalha do século 21: as redes sociais. Os brasileiros, que manejam bem as armas nesse tipo de conflito, descreveram Lavillenie como “mau perdedor”, enquanto os franceses alegavam que o comportamento da torcida foi “inadmissível”. O atleta francês percebeu o exagero e se redimiu (“Eu me desculpo pela comparação inadequada no calor do momento, não medi minhas palavras”), mas o estrago já estava feito. Pior: não se limitava mais aos dois países. Um usuário português, por exemplo, apoiou os brasileiros: “No que isso é uma falta de respeito? Se não quer barulho ou vaias, vá ao cinema ou ao teatro. Trata-se de um grande campeão, mas sua aparição midiática é totalmente ridícula”.

O contra-ataque francófono foi representado por uma internauta francesa que, além de parabenizar Lavillenie, disparou: “O brasileiro fez um milagre nesta noite, e a falta de respeito do público foi totalmente inadmissível. Infelizmente, o Brasil é um país de futebol e, fora vaiar os adversários, eles não sabem fazer mais do que isso! Os nossos jogadores de vôlei (na mesma noite, o time masculino brasileiro derrotou o francês) passaram pela mesma coisa nesta noite”.

Houve também exemplos de fogo amigo. A rede britânica BBC coletou o depoimento de uma brasileira se desculpando diretamente a Lavillenie: “Vaiar um presidente é legítimo, vaiar um atleta pego no doping também, mas vaiar todo mundo só por rivalidade não é! Principalmente no atletismo! Parabéns pelo seu desempenho. Espero que você guarde uma imagem melhor do Brasil que a de ontem, no estádio”. Lavillenie não escapou, porém, do desdém de um conterrâneo. “Eu tenho a impressão de que quando você não ganha, você cria uma polêmica. Aconteceu algo parecido no campeonato europeu. E isso é uma pena. Um simples ‘parabéns a meu adversário, ele foi melhor’ seria suficiente”, escreveu.

A troca de desaforos atingiu, nos ginásios e nas redes sociais, todo tipo de nível, desde os mais baixos (como os brasileiros mandando os rivais tomarem naquele lugar cujo som é o mesmo da palavra “pescoço” em francês) até a já esperada galhofa, com os internautas nacionais satirizando o conhecido refinamento do rival ao garantir que um croissant não é melhor que um enroladinho de salsicha. Gosto duvidoso à parte, o fato é que a França ajudou de uma outra forma a alimentar essa rivalidade olímpica. Foi na maratona aquática – a brasileira Poliana Okimoto já se conformava com o quarto lugar quando seu nome figurou no placar em 3.º. Isso porque a francesa Aurelie Muller, que ficaria com o bronze, apoiou-se faltosamente na italiana Rachele Bruni nas últimas braçadas e foi desclassificada. A festa na torcida não faria vergonha em uma comemoração de conquista da Copa do Mundo.

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Igualmente barulhentos foram espectadores que acompanharam a vitória do pugilista baiano Robson Conceição contra o francês Sofiane Oumahi na disputa dos pesos ligeiros. “Essa torcida é fabulosa”, admirou-se o técnico Adama Diarra, mal sabendo que os gritos simplesmente diziam: “Um, dois, três, porrada no francês”.

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