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Muita coisa vai mudar para nós, skatistas. Principalmente para as mulheres

Modalidade estreia nos Jogos Olímpicos de Tóquio

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Por Karen Jonz
Atualização:

No skate sempre existiu disputa. No entanto, achar que tudo se resume ao torneio é um pensamento superficial. Isso é só uma pequeníssima parte de toda essa cultura. Não sei se já escutou alguém falar por aí que skate não é esporte, mas um estilo de vida. “Ande e entenda”, como dizem. Para ter noção da sensação e da vivência, é necessário ter constância nessa prática. Só assistindo, não dá pra entender um monte de coisa. Olhando pode parecer fácil. Não é bem assim. Vou explicar um pouquinho dessa história. Sempre achei que skate tinha muito a ver, além da diversão, com valores. Confesso que algumas vezes me sinto enganada… Principalmente quando vejo colegas com pensamento parecido com o daqueles que nos queriam presos a 30 anos atrás. Sim, andar de skate já foi considerado crime nas ruas do Brasil. Mas no fundo ainda enxergo esses valores toda vez que um skatista divide o lanche com o colega, por menor que seja o lanche e maior que seja a fome. Que mesmo com problema, não vai passar por cima de ninguém. Que se o amigo não puder ir, ele também não vai. Que se preocupa com o próximo, com o coletivo e em espaços compartilhados. Que usa a própria cabeça e não copia opinião, não é massificado. Que não fica quieto quando vê injustiça. E tem coragem e sensibilidade de enxergar mudanças.

Letícia Bufoni, skatista brasileira, durante treino em Tóquio. Foto: Gaspar Nóbrega/COB

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Já que estamos falando de mudança, pode apostar: vai ter medalha no feminino. Que bom, né? O brasileiro ama um atleta, mas só quando volta com medalha. Então, como daqui a algumas horas todo mundo vai achar as skatistas o máximo (sempre foram), acho válido contar um pouco de como chegamos até aqui. Há três décadas, uma mina andando de skate era motivo de piada. Principalmente nos anos 90, a grande maioria das meninas que andavam era intimidada, criticada e desestimulada. Não tinha ambiente seguro. Não tinha essa de professor pra pegar na mão, pai que senta no banquinho para assistir o horário feminino. Criança (menina) não era bem-vinda em pico de skate. Era hostil. Na época, não eram as filhas de ninguém que estavam ali. Não eram as menininhas que fazem o que mandam. Tinha muita mina forte que não se importava se iriam gostar delas ou não. Quanto mais olho pra trás, maior a coragem que enxergo nelas. Habilidade se adquire com treino. Mas coragem e personalidade ou você tem ou não tem. Nos anos 2000, tínhamos de implorar para incluírem o feminino nos eventos e se déssemos sorte sobrava tempo no fim do dia pra gente. Tudo para ter um shape e um tênis maior que o nosso pé como premiação. Mas várias vezes, após esperar o dia todo, a organização resolvia que não dava mais tempo. Só que a gente não ia desistir… Até 2005, quando a Patiane Freitas foi a primeira capa da Tribo Skate – revista de skate no Brasil não colocava mulher na capa. Diziam que não tínhamos nível. Nos X Games de 2006, na Califórnia, insatisfeitas com a disparidade entre o valor pago ao masculino e ao feminino, ameaçamos boicotar o evento, exigindo igualdade. Conseguimos e a premição continua equiparada até hoje. Com os anos e conquistas de cada geração, as barreiras foram sendo derrubadas e deixando tudo um pouco menos difícil. Não foi do dia pra noite. Depois de hoje, muita coisa vai mudar para nós, skatistas. Principalmente pras mulheres. Eu sei muito bem que os títulos trazem oportunidades junto. Torço para que a notoriedade dos skatistas olímpicos seja usada em boas causas. 

Enquanto você tiver torcendo pras nossas meninas hoje, espero que tenha antes de mais nada respeito com cada história de quem tá ali, e as que vieram antes também. É muito fácil achar legal algo que já tem aprovação. Mas será que você consegue enxergar potencial em algo que ainda nao está obvio?

A glória no pódio dura 5 minutos. No resto do tempo é vida acontecendo. São as pequenas coisas, atitudes – e não as notas –, que somadas fazem quem você realmente é.

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