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Boxeadoras no Iraque tentam nocautear preconceitos e tabus

'Vivemos em uma sociedade machista que luta contra o sucesso das mulheres', diz Ola Mustafá, de 16 anos

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Por AFP
Atualização:

Com as luvas na frente do rosto, Bushra al Hajar pula no ringue antes de receber um soco da adversária, em uma luta que acontece na cidade de Najaf, no Iraque, onde, como em outras partes do país, as mulheres praticam boxe, com o objetivo de derrubar preconceitos e tabus.

"Em casa, tenho uma academia completa com tapetes e saco de pancadas", diz a atleta de 35 anos, mãe de dois adolescentes, que mora na região central do Iraque.

Boxe ganha força entre as mulheres iraquianas. Historicamente, o país tem uma longa tradição de esportes femininos, que remonta às décadas de 1970 e 1980. Foto: Qassem al-KAABI / AFP

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No primeiro campeonato de boxe feminino, realizado em Bagdá em dezembro, ela conquistou a medalha de ouro entre as atletas até 70 quilos. “Minha família e meus amigos me apoiaram muito, estão muito felizes com o nível que alcancei”, acrescenta  Bushra, de cabeça coberta, que também pratica caratê.

Duas vezes por semana, ela treina no ginásio de uma universidade privada em Najaf, onde ensina esportes. Com uma legging preta grossa por baixo do short, Bushra desfere ganchos de direita e esquerda no ringue, acertando as proteções de seu treinador.

Em um Iraque amplamente conservador, e especialmente em uma cidade como Najaf - um dos centros do islamismo xiita onde as normas sociais são ainda mais rígidas - ela reconhece que sua jornada pode causar surpresas. “Encontramos muitas dificuldades, somos uma sociedade conservadora que dificilmente aceita esse tipo de coisa”, admite.

"Sociedade machista" 

Essa mãe de família lembra dos protestos quando as primeiras academias foram abertas e as mulheres começaram a treinar. "Hoje houve um grande progresso, há muitas salas de treinamento e também piscinas", acrescenta. Por sua vez, Ola Mustafá, de 16 anos, veio treinar e bate sem parar no saco de pancadas, como se estivesse se defendendo da relutância da sociedade. "Vivemos em uma sociedade machista que luta contra o sucesso das mulheres", diz a adolescente com o véu.

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Apesar de tudo, seus pais, seu irmão e seu treinador sempre a incentivaram, sinal de que uma mudança é possível. "Pouco a pouco, as pessoas começam a aceitar. Se várias garotas tentarem, a sociedade automaticamente aceitará", diz.

O presidente da federação iraquiana de boxe, Ali Taklif, reconhece que o boxe feminino é um "fenômeno recente" que está crescendo. "Há uma forte atração por mulheres que querem praticá-lo", indica, especificando que o país conta com cerca de vinte equipes femininas de boxe.

Mais de cem pugilistas participaram do campeonato, em todas as categorias, acrescenta. Embora "a disciplina, como outros esportes, seja afetada pela falta de infraestrutura, centros de treinamento e equipamentos".

De pai para filha 

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Historicamente, o Iraque tem uma longa tradição de esportes femininos, que remonta às décadas de 1970 e 1980. Seja no basquete, no vôlei ou no ciclismo, as equipes femininas participavam regularmente de competições regionais. Mas a geopolítica interrompeu esse ímpeto quando o Iraque entrou em uma série de conflitos, e o subsequente embargo internacional da década de 1990 afetou seriamente a infraestrutura e o desenvolvimento.

A violência, a ascensão das milícias e o recrudescimento do conservadorismo acabaram com as equipes femininas. Mas, nos últimos anos, a tendência começou a se inverter e até equipes femininas de kickboxing apareceram. Na família de Hajer Ghazi, o boxe faz parte da herança. Seu pai, um ex-boxeador profissional, a encorajou a adotar a disciplina. Com apenas 13 anos, conquistou a medalha de prata em sua categoria no campeonato que disputou. Suas duas irmãs também praticam boxe, assim como seu irmão mais velho, Ali.

"Nosso pai nos apoia mais do que o Estado", brinca a adolescente da cidade de Amara, no sudeste do Iraque. Seu pai, Hasanein, um caminhoneiro de 55 anos - que ganhou várias medalhas - acredita que "as mulheres têm o direito de praticar esportes, é normal", mas admite que há "sensibilidades" que entram em jogo, devido ao conservadorismo valores tribais.

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