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Judô japonês vive crise existencial após maus tratos a jovens e crianças

País domina com frequência o quadro de medalhas dos Jogos Olímpicos na modalidade

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Por Andrew Mckirdy e AFP
Atualização:

Crianças forçadas a perder peso, levadas até seus limites nos treinamentos ou que sofrem castigos corporais: escândalos sucessivos sobre violência contra jovens atletas mancham a imagem do judô japonês, provocando uma crise no esporte no país. A situação tomou um rumo tão preocupante que a Federação Japonesa de Judô cancelou neste ano seu prestigioso torneio nacional para crianças de 10 a 12 anos, explicando que, como a mente e o corpo das crianças ainda estão se desenvolvendo, a competição seria pesada demais para elas. O problema não é novo, já que existe uma associação japonesa de vítimas do judô que contabiliza 121 mortes atribuídas à prática do esporte nas escolas entre 1983 e 2016, mas sua amplitude atual o colocou em evidência.

Instrutor interage com uma criança durante uma sessão de treinamento em Shizuoka Foto: Charly Triballeau/AFP

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O Japão domina com frequência o quadro de medalhas dos Jogos Olímpicos na modalidade, mas os valores do judô estão em vias de extinção, segundo a opinião de Yasuhiro Yamashita, presidente da Federação Japonesa de Judô. "O judô é um esporte que enfatiza o sentimento de humanidade", afirma em entrevista à AFP Yamashita, que também é presidente do Comitê Olímpico Japonês. "Se só a vitória tem valor, se só o resultado conta, então a filosofia do judô está deformada", acrescenta.

O cancelamento da competição nacional para as crianças entre 10 e 12 anos permitiu dar foco a "um problema que afeta a sociedade japonesa" como um todo, segundo o dirigente.

VIOLÊNCIA PARA FORTALECER

O número de judocas licenciados no Japão caiu quase pela metade desde 2004, para cerca de 120 mil, segundo a federação. E essa queda afeta principalmente as crianças. Alunos das escolas primárias foram obrigados a perder peso, em algumas ocasiões até seis quilos, para que pudessem participar em categorias inferiores, segundo informações da imprensa local.

Diferentes técnicas perigosas para suas idades também são ensinadas e os treinamentos intensos aumentam os riscos de lesões e causam Síndrome de Burnout nos alunos. Além disso, alguns pais e treinadores recorrem a castigos corporais. A crença segundo a qual os castigos corporais deixam as crianças mais fortes ainda está muito presente no esporte japonês, denuncia Noriko Mizoguchi, de 50 anos, medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Barcelona 1992. "Existe uma certa dependência mútua, um pouco como com a violência doméstica, como se ser golpeado fosse uma prova de afeto", diz a ex-judoca.

Assim como em outras artes marciais, o judô era utilizado no Japão para os treinamentos militares na primeira metade do século XX até o final da II Guerra Mundial. As artes marciais foram proibidas durante a ocupação americana (1945-1952), antes de voltarem a ser consideradas como esporte, e o judô fez sua estreia olímpica em 1964, em Tóquio.

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CULTURA MACHISTA

Embora os treinadores possam perder sua licença por atos de violência com seus alunos, punir os pais é algo muito mais complexo. Hisako Kurata, uma representante da associação japonesa de vítimas do judô, não está certa de que "a maioria dos pais esteja consciente dos perigos, só querem que seus filhos ganhem". Eles "acreditam que seus filhos ficarão felizes se conquistarem um título", afirma Kurata. Seu filho de 15 anos morreu em 2011 depois de sofrer uma lesão na cabela no clube de judô de sua escola.

Noriko Mizoguchi, que treinou a equipe feminina da França no início dos anos 2000, acredita que o judô "não é divertido" para os jovens japoneses, e que é preciso acabar com "a cultura machista" que permeia o ensino no país. "Deve-se tratar cada criança com cuidado e ter uma visão a longo prazo. Os treinadores da cidade temem que, se as competições para crianças forem interrompidas, o judô japonês perderá força. Eu acredito que, na verdade, ficará mais forte."

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