Djokovic acumula polêmicas na pandemia e coloca em risco a própria imagem

Incidente na Austrália é mais uma das controvérsias do tenista, que já é chamado de 'bad boy' do tênis

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Elevar a popularidade durante a pandemia de covid-19 não foi um grande desafio para muitas pessoas. Doações e ações de amparo social foram o combustível de políticos, empresas e celebridades em geral. No mundo esportivo, o tenista Novak Djokovic parece buscar o caminho oposto. Sem se esquivar das polêmicas, o número 1 do mundo vem colocando em risco a sua própria imagem nos últimos dois anos.

As controvérsias foram tantas que especialistas já o tratam como o "bad boy" do tênis, em exata oposição aos seus dois maiores rivais. O suíço Roger Federer e o espanhol Rafael Nadal são frequentemente tratados como os queridinhos da torcida e dos demais tenistas, acostumados a levar prêmios em votação de fãs e dos colegas.

Djokovic desafiou as restrições provocadas pela pandemia e se opõe à vacinação Foto: Edgar Su/ Reuters

O último episódio com potencial para derrubar a popularidade do sérvio aconteceu na semana passada, na esteira dos seus constantes posicionamentos contra a vacina da covid-19. Djokovic pediu e obteve uma "permissão médica especial" para entrar na Austrália e disputar o primeiro Grand Slam do ano, mesmo sem apresentar comprovante de vacinação.

A permissão por si só já gerou críticas ao governo australiano por parte de sua própria população por enfrentar um dos mais rígidos lockdowns desta pandemia. Mas a situação piorou assim que Djokovic desembarcou. Faltava informação em sua documentação. Ele passou oito horas ao longo da madrugada de quinta-feira no aeroporto até ter seu visto cancelado. As autoridades alegaram que ele precisava justificar, na chegada ao país, a permissão especial, o que não aconteceu.

Sem poder permanecer no país, o tenista acionou a Justiça local para tentar reverter a situação. O caso foi julgado nesta segunda-feira e o juiz federal Anthony Kelly liberou Djokovic para entrar no país e participar do Aberto da Austrália. O governo australiano vai recorrer da decisão.

Neste período, ele ficou hospedado num hotel de refugiados no subúrbio de Melbourne, o que aumentou a revolta de sua família e até do presidente da Sérvia. A esta altura, o caso já tinha virado crise política entre sérvios e australianos, colocando o tenista ainda como possível “herói” dos grupos antivacinas pelo mundo, incluindo o Brasil.

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Fãs de Djokovic se reúnem em frente ao hotel em que o tenista ficou retido em Melbourne Foto: Mark Baker/ AP

Mas este foi apenas mais um episódio em que o atual número 1 do mundo virou notícia fora de quadra nesta pandemia. A “estreia” aconteceu em junho de 2020, quando ele organizou uma série de exibições de tênis na Croácia e na Sérvia. Um dos jogos chegou a reunir 4 mil pessoas nas arquibancadas, sem respeitar qualquer regra de distanciamento social e uso de máscara. A intenção era positiva porque os jogos tinham caráter beneficente. Mas o saldo foi negativo.

Ele e sua mulher contraíram covid-19 no evento, assim como outros jogadores e treinadores. Djokovic precisou vir a público pedir desculpas e cancelar as exibições. Em seguida, adotou tom de vítima diante das críticas e até colocou em dúvida sua participação no US Open daquele ano. "Obviamente, foi mais do que críticas. Foi quase uma agenda, uma caça às bruxas. Alguém precisava ser derrubado, um grande nome", reclamou.

Apesar da ameaça, o sérvio jogou a edição 2020 do US Open. Mas não deve guardar boas recordações. Em Nova York, ele se tornou o primeiro número 1 do mundo da história a ser desclassificado em um Grand Slam. Isso porque acertou uma bolada numa juíza de linha, sem intenção. Foi eliminado sumariamente nas oitavas de final.

Na ocasião, Boris Becker, ex-jogador e ex-técnico do próprio Djokovic, disse que o sérvio vivia o pior momento da carreira. Na semana passada, o alemão foi além e disse que o ato de não tomar vacina pode acabar com a imagem do tenista. "Djokovic cometeu um grande erro ao não se vacinar. É um erro que ameaça o que resta da sua carreira e a chance de cimentar seu status de maior tenista de todos os tempos", declarou.

O alerta já havia sido dado por outra lenda do tênis em 2020. O americano John McEnroe, ele mesmo conhecido pelos arroubos em quadra, disse que a imagem de "bad boy" ficaria grudada no sérvio. “Com certeza deve haver algumas questões fora de quadra atrapalhando. Goste ou não, ele será o ‘bad boy’ pelo resto de sua carreira”, afirmou o ex-tenista.

'NOVAX DJO-COVID'

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O apelido ganhou fama na última semana, mas as posturas antivacinas do sérvio são conhecidas, assim como sua visão de mundo um tanto “esotérica”. Em uma entrevista na pandemia, ele disse acreditar que, com o poder da mente, o ser humano poderia transformar o esgoto em água cristalina, até mesmo com poderes curativos. Sua mulher, Jelena Djokovic, também polemizou nas redes sociais ao compartilhar conteúdo conspiratório sobre a suposta relação entre a tecnologia 5G e a covid-19. O Instagram advertiu a mulher do tenista por conta da recorrente publicação de fake news.

Inicialmente, o tenista afirmava ser contra a vacina contra a covid-19. Com a surpresa geral diante de sua opinião, ele passou a dizer que era contra a vacinação obrigatória dos atletas. Por fim, já irritado com as frequentes perguntas sobre o tema, afirmava apenas que não revelaria se tomou ou não a vacina, por se tratar de “questão pessoal”. O tenista teve diversas oportunidades para se vacinar, até mesmo no Torneio de Belgrado, organizado pela sua própria família. O evento ofereceu gratuitamente o imunizante a todos os participantes.

Djokovic ficou retido na Austrália por não cumprimento das regras de vacinação impostas aos visitantes do país da Oceania Foto: Darko Vojinovic/ AP

Os posicionamentos controversos não afetaram seus patrocínios, mas já atingem sua imagem. Em 2021, ele e Nadal eram dois dos finalistas ao Prêmio Laureus de melhor esportista do ano anterior. O espanhol vencera dois torneios, sendo um Grand Slam, naquela temporada. Djokovic levantara quatro troféus, um deles de Slam. E foi o número 1 durante todo o ano. Mas foi Nadal quem levou o chamado Oscar do esporte, uma possível indicação da organização do prêmio de que o melhor esportista não é necessariamente aquele que tem melhores resultados.

“Ele sabe das consequências das opiniões dele. Sabe do risco de perder popularidade e até patrocínios. Ele sabe o que está fazendo. O Djokovic é do tipo que não parece muito preocupado com o que vão pensar dele. É o jeito dele. Eu não concordo com muitas das atitudes dele, como ser humano. Mas não entro em polarizações. Podemos discordar, mas não podemos destruir uma imagem”, comentou o ex-tenista Fernando Meligeni, ao Estadão.

CONFLITOS NA ATP

Ainda durante a pandemia, o sérvio entrou em conflito direto com Federer, Nadal e a cúpula da Associação dos Tenistas Profissionais. Ele e tenistas de menor ranking anunciaram uma nova associação de jogadores, a Professional Tennis Players Association (PTPA), paralela à já consagrada ATP.

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Na avaliação de Djokovic, a entidade fundada na década de 70 não estava dando conta das demandas dos tenistas. Ele, no entanto, era o presidente do próprio Conselho dos Jogadores da ATP. Precisou deixar o cargo para fundar a nova associação. A ATP alegou que as duas entidades não podiam coexistir tanto na prática quanto em termos jurídicos. Os principais órgãos do tênis mundial e ídolos como Federer e Nadal reprovaram a iniciativa. Meses depois, Djokovic retornou ao Conselho de atletas da ATP.

Meses antes da pandemia, o sérvio sustentou outra polêmica dentro da entidade ao ser um dos poucos que defendiam a permanência de Justin Gimelstob no Conselho da ATP. O americano era postulante à presidência da associação quando foi condenado pela Justiça dos EUA por agressão, em novembro de 2018. Chegou a ser preso, mas foi liberado após pagar fiança. A maior parte das lideranças do tênis masculino pedia a saída imediata de Gimelstob da ATP.

GENOCÍDIO NA BÓSNIA

O currículo do tenista na pandemia também tem uma foto controversa ao lado de Milan Jolovic, que liderou uma unidade paramilitar em conflito nos Bálcãs e é acusado de participar do genocídio bósnio, na década de 90. Jolovic teria participado diretamente do chamado Massacre de Srebrenica, em 1995, no âmbito do conflito entre a Sérvia e a Bósnia-Herzegovina. A foto mostra o ex-líder militar conversando com Djokovic numa mesa, após uma refeição, na Bósnia.

ESFORÇO PARA RECUPERAR POPULARIDADE

Se Djokovic nunca vislumbrou popularidade semelhante a de Federer e Nadal no circuito, também é verdade que o sérvio sempre fez esforço para conquistar os fãs de tênis. Ele já divertiu as arquibancadas com imitações de outros tenistas, faz vídeos divertidos por onde passa e até aprendeu francês para dar entrevistas na língua local em Roland Garros. E copiou o gesto do brasileiro Gustavo Kuerten ao desenhar um coração com a raquete no saibro da quadra central, após conquistar o Grand Slam francês pela primeira vez.

Acostumado a ser ovacionado em Paris, ele passou a ganhar mais fãs nas últimas temporadas, diante do crescimento dos tenistas da nova geração. A maior demonstração de apoio que recebeu foi na final do US Open do ano passado. Ele contou com o suporte da maior parte das arquibancadas numa decisão de Grand Slam, algo inédito até então, enquanto levava 3 sets a 0 do russo Daniil Medvedev. Na ocasião, o sérvio buscava o recorde de títulos de Grand Slam e a façanha de vencer todos os Slam numa mesma temporada, fato raríssimo na história do tênis.

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Djokovic também tem um longo histórico na filantropia, e não apenas com a sua fundação, gerida pela mulher. Entre 2011 e 2015, ele foi embaixador da Sérvia junto à Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância. Depois, exerceu a função de Embaixador da Boa Vontade da Unicef até maio de 2020.