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'O maior desafio é popularizar o tênis', afirma André Sá

Atual técnico de Thomaz Bellucci sente falta de trabalho forte para revelar e consolidar atletas

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O tênis brasileiro evoluiu bastante nos últimos 20 anos, mas ainda enfrenta grandes dificuldades. Esta é a avaliação do recém-aposentado André Sá, que fez uma avaliação sobre a situação do tênis no Brasil, em entrevista exclusiva ao Estado, com a autoridade de quem jogou profissionalmente por 21 anos e vivenciou a travessia do esporte nas décadas mais recentes, de Guga Kuerten a Thomaz Bellucci.

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Às vésperas de um dos maiores torneios do mundo, o Masters 1000 de Miami, as dificuldades ficam escancaradas na própria chave masculina, sem representantes do Brasil - três disputam o qualifying. E isso numa semana em que todos os principais tenistas do País caíram no ranking. Desde novembro, o Brasil não conta com uma presença constante dentro do Top 100.

André Sá, ex-jogador e atual técnico Foto: Divulgação

Para André Sá, os obstáculos ao crescimento do tênis brasileiro são a falta de cultura esportiva no País, de treinadores e de uma postura “mais aguerrida” dos juvenis, a pouca união entre os interessados no tênis e a baixa permanência de ex-tenistas no universo da modalidade.

Dono de uma das carreiras mais longevas do tênis brasileiro, ele conquistou 11 títulos de nível ATP, foi número 55 do mundo em simples e 17 em duplas. E ajudou a abrir caminho para jovens tenistas e para atletas já consagrados, como Bruno Soares e Marcelo Melo, atual número 1 do mundo, com quem levantou cinco dos seus troféus. 

Sá se tornou oficialmente um ex-tenista no dia 28 do mês passado. Mas ele continuará atuando dentro e fora de quadra como técnico do Bellucci e consultor da Federação Internacional de Tênis (ITF), nos bastidores do tênis mundial.

O tênis brasileiro evoluiu ou regrediu nestes últimos 20 anos?

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Evoluiu, com certeza, principalmente na questão de conhecimento. A CBT se estruturou mais do que no passado, apoiou muito mais os atletas, tanto no infanto-juvenil quanto no profissional. Mas continuamos muito atrás das grandes potências, principalmente da Europa. As nossas dificuldades são grandes. Temos muito pouco banco de dados [experiência e conhecimento] em preparação física, técnica, tática, emocional. As estatísticas estão começando só agora. Não temos uma escola de tênis, com identidade: ‘O brasileiro joga assim’. Esta escola ainda está em formação. Ainda vai demorar um pouco mais. Também dificuldade o fato de ex-jogadores não permanecerem no tênis.

O que um ex-tenista pode fazer para ajudar o tênis brasileiro, além de ser técnico, que é o seu caso?

É difícil dizer. Não se tem uma solução para isso. Mas não se pode cobrar. É muito desgastante a carreira, ficamos muito tempo fora de casa. Não é fácil viajar durante 20 anos e, de repente, continuar viajando mais 20. Mas é claro que se tenistas aposentados permanecessem no esporte seria muito melhor para o tênis brasileiro.

As viagens ainda são um obstáculo para os jovens tenistas?

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Existe muito a mentalidade de que viajar é complicado. Cara, se isso for complicado, vai arrumar outra profissão. Isso tem que ser normal, no dia a dia. Complicado é perder em situações difíceis e no outro dia estar treinando bem. Esse é o macho, isso é o tênis. Tênis é fora de casa, dá saudade. E isso tudo te dá mais determinação para vencer. Estamos muito atrás ainda da Argentina nisso. Eles têm uma cultura tenística muito maior, um ambiente melhor, são mais aguerridos. Eles ficam fora de casa e tratam isso com normalidade. E, dentro da quadra, eles têm essa personalidade mais aguerrida. Precisamos desenvolver isso.

Bia Haddad e Rogerinho, dois dos principais tenistas do País, têm técnicos argentinos. Está faltando treinador no Brasil?

Pode ser. Não gosto de criticar e nem de julgar ninguém. Mas, se eles estão buscando lá fora, é porque temos uma deficiência aqui dentro. Como eu disse, não podemos cobrar tenistas brasileiros aposentados. Mas temos que nos desenvolver, com projetos novos para estes ex-profissionais e desenvolvimento de treinadores de alto rendimento.

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No que o tênis brasileiro mais evoluiu nos últimos 20 anos?

Evoluiu numa visão geral do jogo, temos maior conhecimento do esporte hoje. Quando eu comecei a jogar tênis, eu não sabia o que tinha que fazer. Morei nos EUA por cinco anos. Tive os exemplos de lá. Mas hoje em dia o pessoal aqui do Brasil já tem uma estrutura, tem alguém para dizer: ‘o caminho é por aqui, a gente pode te ajudar deste jeito’.

O que foi de melhor que surgiu no tênis brasileiros nestes últimos 20 anos?

Além do Guga, claro, surgiu uma consciência de que precisamos nos unir mais, todas as esferas do tênis, os promotores de eventos, a CBT, pessoas interessadas no esporte, para algo maior. Pensamos nisso, mas ainda não sabemos como executar. Falta alguma coisa para colocar este quebra-cabeça junto. Isso é o que vai dar o pulo.

O que a CBT pode fazer para desenvolver a modalidade?

O maior desafio da CBT é popularizar o tênis. É criar condições para os atletas se desenvolverem, criar mais quadras públicas para um acesso mais fácil ao esporte. E tentar manter as crianças e adultos no tênis. Eu tenho um relacionamento pessoal com o Rafael Westrupp [presidente da CBT], foi meu treinador. E acho que está no caminho certo, buscando novas saídas. Ele é mais acessível, mas ainda é recente. Só tem um ano de gestão.

Por que é tão difícil popularizar o esporte?

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É um esporte caro, claro, de elite. Mas temos que encontrar este público elitizado. Mesmo este público gosta de futebol, mas os filhos deles não vão ser jogadores de futebol. Só vendem o sonho do futebol. Ao invés de levar o seu filho para o Maracanã, leva para o Rio Open, para Miami. Outro obstáculo é o professor qualificado porque é ele que vai manter o menino ou a menina no esporte, vai incentivar e motivar a voltar todos os dias. Esse cara é peça-chave, tem que estar instrumentalizado da melhor maneira possível.

Qual foi o momento em que você decidiu que era hora de parar?

Foi quando as oportunidades foram aparecendo: o trabalho com o Bellucci e com a ITF. Foi bem no final do ano. É sempre uma combinação de coisas. Obviamente eu ainda tinha condições de continuar a jogar, mas foi uma decisão bem lúcida porque surgiram oportunidades para eu seguir no tênis, num ambiente que gosto, dentro do circuito. Não digo que foi fácil, mas isso tudo ajudou a tomar a decisão.

Já consegue imaginar o que vai sentir mais falta no circuito?

Vai ser aquela adrenalina pré-jogo, aqueles minutos antes de entrar na quadra, o frio na barriga. E também a vitória, quando você consegue dar a volta por cima num jogo super complicado. Quanto ao resto, eu continuarei vivenciando com o Bellucci. Já tive o frio na barriga vendo os jogos dele, mas de uma forma diferente. Vou estar competindo através dele.

Qual é o seu maior desafio com o Bellucci?

É encontrar a consistência. Acho que ele tem nível para jogar contra os melhores. Ele já mostrou isso e eu estou convencê-lo disso. Ele não precisa provar mais nada para ninguém. Já é o segundo maior jogador da história do Brasil. Vamos achar esta consistência. Estamos encontrando isso pouco a pouco. Após encontrarmos, será apenas uma questão de repetição. Nível e volume de jogo ele tem.

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