'Nenhum piloto está lá forçado, eles sabem dos riscos', diz Bruno Corano, promotor do SuperBike

Morte de Matheus Barbosa, no último domingo, foi a quinta em Interlagos desde 2017 em corridas de moto

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Por Raul Vitor
Atualização:
6 min de leitura

O piloto Matheus Barbosa, de 23 anos, entrou para a preocupante estatística das provas do SuperBike, que são realizadas no Autódromo de Interlagos, em São Paulo. Na manhã do último domingo, ele morreu após perder o controle de sua moto na subida da curva Junção e colidir com uma estrutura de metal, localizada atrás das barreiras de segurança. As motos podem chegar a 250 km/h. Matheus tentou controlar a moto, não caiu, mas perdeu o controle de sua direção. Desde 2017, Interlagos acumula cinco mortes em provas da categoria e o circuito já foi até suspenso de sediar eventos da categoria.

Bruno Corano, promotor da modalidade, garante que a pista é a mais segura do Brasil para as provas de motos. "Não só eu acho isso, mas também a comissão de segurança, os pilotos e a FIM (Federação Internacional de Motociclismo). Não é apenas uma opinião pessoal", avalia o tetracampeão do SuperBike, que acredita na existência de uma "supercomoção" em relação às mortes na modalidade.

Superbike teve um morte em Interlagos neste anoequatro nas últimas trêstemporadas. Foto: Divulgação/Superbike

"Morrem muitas pessoas por mês no trânsito, mas ninguém fala que vai parar de vender moto. Morrem muitas pessoas por semana nos hospitais públicos brasileiros por falha médica e negligência de atendimento, mas ninguém fala que vão fechar os hospitais. Então, me parece que existe uma espécie de 'supercomoção' em relação aos atletas privados, que optam por correr aquele risco por escolha própria. Ninguém está lá forçado. Eles vão correr sabendo dos riscos. Mas parece que é o fim do mundo, que estamos matando as pessoas", disse Corano ao Estadão.

O promotor do evento conta que antes mesmo da sequência de mortes ocorrer em Interlagos, o circuito já vinha passando por melhorias em busca de mitigar eventuais fatalidades, com proteções em locais estratégicos do circuito. "As áreas de escape aumentaram e aquelas que julgamos ainda serem insuficientes foram complementadas com barreiras de proteção e outros mecanismos. Mas pensar em segurança, não é pensar apenas no circuito em si. Percebemos que era necessário trazer pessoas mais profissionais para estudar a proteção dos pilotos. Meu pai foi vice-presidente da VASP e da GOL. Inevitavelmente, herdei toda uma cultura da aviação que preza por protocolos rígidos de segurança", disse. "Em 2019, contratamos dois técnicos especializados nisso para construir uma matriz. Olhamos, portanto, o espectro inteiro, desde o asfalto da pista até a parte psicológica dos pilotos."

Morrem muitas pessoas por mês no trânsito, mas ninguém fala que vai parar de vender moto. Morrem muitas pessoas por semana nos hospitais públicos brasileiros por falha médica e negligência de atendimento, mas ninguém fala que vão fechar os hospitais

Bruno Corano, promotor do SuperBike

Corona informa a existência de um trabalho psicológico com os corredores da categoria, conversas regulares para detectar algum tipo de problema que não aparece na convivência do dia a dia. "Há ainda a exigência de testes psicotécnicos, que, por sinal, é único na modalidade, uma exclusividade nossa no mundo. Foi um trabalho de meses, que envolveu diversos profissionais, engenheiros, matemáticos e por aí vai. Com isso, conseguimos identificar o que poderíamos melhorar."

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Esse reforço na segurança foi implementado após duas mortes consecutivas. Uma em abril e outra em maio de 2019. A primeira vítima foi Maurício Paludete, de 44 anos. Ele perdeu o controle da moto na entrada do "S" do Senna e colidiu contra a barreira de pneus. O impacto foi tão forte que seu capacete rachou. Um mês depois, foi a vez de Danilo Berto, de 35 anos, perder a vida no traçado. Sua motocicleta ficou fora de controle na curva do Laranjinha e ele também colidiu contra os pneus. Sérgio dos Santos, de 48 anos, e Rogério Munuera, de 41, que também morreram em provas do SuperBike, em Interlagos, colidiram igualmente contra as barreiras, respectivamente em 2017 e 2018.

Resgate do pilotoRogério Munuera, que faleceu após perder o controle de sua moto, em 2018. Foto: Reprodução/ Superbike

Após a quarta morte no circuito, a Prefeitura de São Paulo suspendeu a realização de corridas de moto no local por dois meses e buscou fazer uma averiguação das medidas de segurança da pista, a partir de avaliação da FIM. No entanto, a entidade passou essa responsabilidade para a Confederação Brasileira de Motociclismo (CBM)."Chamamos a FIM para fazer uma vistoria com o objetivo de trazer uma prova internacional, solicitamos um relatório, questionamos o que a gente poderia fazer para melhorar a segurança do autódromo. A resposta da FIM foi direta. Quem tem poder de homologar um autódromo no Brasil é a CBM", disse o Secretário de Turismo e Casa Civil da cidade de São Paulo na época, Orlando Faria.

Firmo Henrique Alvez, presidente da confederação, explica que a homologação de uma pista é feita mediante a competição que ela irá receber. "Esse é o critério. Interlagos é projetado para receber corridas de Fórmula 1, a corrida que mais exige requisitos de segurança no mundo. No entanto, ela não é homologada para receber provas do Mundial de Motovelocidade. Mas com a SuperBike é diferente. É uma competição de motos que são vendidas comercialmente, mas que são adequadas para competir também. Nunca chamamos a FIM para fazer a homologação do Mundial de SuperBike para Interlagos. Sempre ficou no âmbito nacional e, portanto, nesse caso, cabe à CBM homologar a pista e elá está homologada", explicou o dirigente ao Estadão.

Esse trabalho, de acordo com a CBM, foi feito quando dois pilotos morreram no ano passado. E não se chegou à conclusão de que o problema era o traçado de Interlagos. Até porque as mortes ocorreram em locais diferentes do autódromo. 

"Quando aconteceram as duas mortes sequenciais (Paludete e Berto), a direção do autódromo optou por averiguar se aquilo era apenas uma trágica coincidência ou se ali havia, de fato, alguma coisa de errado. A CBM e uma força tarefa foi chamada pelo Ministério Público de São Paulo para participar de uma série de discussões para que pudéssemos também retomar os campeonatos com motos em Interlagos", revela Firmo. "Nós propusemos a fazer com que as competições com moto só acontecessem com barreiras de proteção especiais, que são caríssimas. Elas seriam aplicadas nos pontos críticos do autódromo. Mas o Ministério Público não viu a obrigatoriedade do seu uso porque isso ia encarecer a modalidade e elitizar o esporte. A CBM continua exigindo que elas sejam utilizadas em suas competições. E busca alternativas", afirma.

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O dirigente também garante que os acidentes fatais nada têm a ver com o traçado de Interlagos."Interlagos não é perigoso, mas qualquer competição de moto é. O motociclismo é um esporte radical. A palavra é bonita, mas, lamentavelmente, o esporte radical mata. Dentre eles, a moto é que mais mata no mundo. O piloto está montado num veículo a 300 km/h."

Em entrevista ao Estadão, Luis Ernesto Morales, presidente da comissão nacional de circuitos da CBA e membro da comissão de circuitos da FIA, afirma que a Federação Internacional de Motociclismo conversa com a entidade máxima do automobilismo para que as pistas dos circuitos sejam seguras para abrigar tanto provas de moto quanto de carro. "As entidades estão se reunindo para discutir justamente a abertura de autódromos que atendam as duas modalidades simultaneamente".

Morales explica que os procedimentos de segurança sempre devem ser atualizados, já que as modalidades estão em constante evolução tecnológica. Ele também pontua as diferenças de colisão entre uma moto e um carro. "Nós analisamos dois fatores. A proteção do piloto em conjunto com a segurança do carro, que vai ajudar a protegê-lo, e a segurança do circuito. Nós analisamos peso, massa e velocidade. Carro e piloto estão integrados, já na moto isso não acontece. E é aí que muda tudo. O impacto da colisão dentro do carro vai ser diferente, justamente porque o carro absorve o impacto da batida e a moto não", explica.

Uma perícia será aberta para investigar os motivos da morte de Matheus Barbosa, morto no último domingo. Enquanto isso, Interlagos continuará aberto para receber provas de motociclismo. A próxima corrida está prevista para acontecer no fim de dezembro. Antes, o campeonato passa por Curitiba e Minas Gerais.