Wilton Junior|Estadão
Projeto se respalda em estudo ambiental para se candidatar como o primeiro GP da categoria a neutralizar a própria emissão de carbono; nada está decidido ainda
Atualizado
Wilton Junior|Estadão
Um complexo pacote de compensações ambientais é um dos trunfos do Rio de Janeiro para atrair a Fórmula 1 e fechar contrato para receber o GP do Brasil a partir de 2021. O projeto de construção do novo autódromo em Deodoro pretende compensar a derrubada prevista de cerca de 70 mil árvores no local com uma série de ações paralelas para fazer a pista ser a primeira do mundo a se enquadrar no novo projeto ambiental da categoria, ao conseguir neutralizar as emissões de carbono produzidas pelo próprio evento.
As informações completas sobre o estudo de impacto ambiental do projeto serão apresentadas nos próximos dias em audiência pública do Instituto Estadual do Ambiente (Inea). O encontro estava marcado para esta quarta-feira, mas foi cancelado por decreto do governador Wilson Witzel para evitar o contágio com o novo coronavírus. A realização da audiência é um dos últimos passos para o empreendimento conseguir a licença prévia e iniciar as obras.
O Estado conversou com pessoas ligadas ao projeto para antecipar as informações presentes no relatório de impacto ambiental. A holding responsável pelo empreendimento, a Rio Motorsports, contratou a empresa de consultoria ambiental Terra Nova para fazer o levantamento. O trabalho foi feito de agosto a setembro do ano passado por mais de 30 profissionais e resultou em um relatório de 1,4 mil páginas.
A proposta que já recebeu parecer positivo de comissões do Inea prevê a supressão de 70 mil árvores nos cerca de 200 hectares do terreno, na região da Floresta do Camboatá, em Deodoro. O local atualmente pertence ao Exército Brasileiro. Como contrapartida, o consórcio em parceria com a Prefeitura do Rio se compromete a replantar 700 mil árvores em outras áreas degradadas do município ainda a serem definidas.
"A compensação que nós estamos propondo, é até um pouco maior do que o número normal, chega a 370 hectares na cidade. É o maior reflorestamento que já se teve notícia no Rio de Janeiro", disse ao Estado o diretor executivo da Rio Motorsports, JR Pereira. O projeto ambiental prevê ainda a reutilização de mais de 600 mil litros de água, instalação de placas solares e o reaproveitamento de restos de pneus para a construção das pistas de apoio. A estimativa é que se consiga compensar a emissão das 12 mil toneladas de gás carbônico da prova.
Todo o empreendimento está orçado em R$ 697 milhões, dos quais pouco mais de R$ 20 milhões serão destinados ao trabalho de compensação ambiental. Os técnicos da consultoria Terra Nova afirmam que o cuidado especial será com espécies em extinção existentes na área, dos quais cinco são de animais e quatro são de plantas.
Segundo um dos biólogos responsáveis pelo estudo, Diego dos Santos Peixoto, apesar do empreendimento implicar na derrubada de árvores, vai representar a chance de se replantar espécies em outras áreas da cidade como compensação pelo impacto em uma área considerada degradada. "No terreno em Deodoro a gente já consegue ver os impactos da população do entorno. Os rios estão com cheiro de esgoto, tem áreas de mata que sofrem com queimadas e o local recebe desovas de carros. A área não é um oásis", explicou.
O replantio das árvores do terreno terá como uma das técnicas a coleta do material genético das plantas e a promessa de transporte das espécies animais, em especial as que correm mais risco: jacaré-do-papo-amarelo, saíra-sapucaia, trinca-ferro, capivara e mão-pelada. "Temos no relatório que se nada for feito na área, as espécies em risco de extinção não durariam muito tempo, não sobreviveriam. É uma oportunidade para resgatarmos", afirmou o engenheiro ambiental Jorge Ferreira, outro participante do estudo.
Autódromo do Rio: Acompanhe uma volta virtual na pista que tem previsão de ser construída em Deodoro pic.twitter.com/6k6NECxVfY — Estadão Esportes (@EstadaoEsporte) May 27, 2019
A Rio Motorsports pretende também apresentar um estudo para a Fórmula 1 para replantar no Brasil uma quantidade de plantas suficiente para neutralizar todo a emissão de carbono de uma temporada da categoria. A estimativa é que seriam necessárias 2 milhões de árvores para abater a produção de 260 mil toneladas por ano.
Em novembro do ano passado o hexacampeão mundial de Fórmula 1 Lewis Hamilton criticou o projeto de construção da pista carioca. Em passagem por São Paulo para disputar o GP do Brasil, o piloto da Mercedes disse ser contra a derrubada de árvores. Duas semanas depois, em Abu Dabi, uma comitiva do Rio se encontrou com Hamilton para explicar os detalhes do projeto.
A reunião teve as presenças do diretor executivo da Rio Motorsports, JR Pereira, do secretário municipal de Ordem Pública do Rio, Gutemberg Fonseca, e do senador Flavio Bolsonaro. Segundo JR, a declaração de Hamilton foi fruto de um mal entendido. "A informação que foi passada para ele é de que estaríamos fazendo supressão de áreas de mata amazônica. Nós explicamos que não era o caso, mostramos as primeiras informações sobre a mitigação e eu me comprometi a ele que uma vez que gente fizesse todo o projeto de reflorestamento do Rio e de tudo o que vamos fazer contrapartida, vou levar para ele e para toda a Mercedes", disse.
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17 de março de 2020 | 17h30
As ambições da Fórmula 1 na área da sustentabilidade vão muito além de neutralizar todas as emissões de carbono relacionadas ao campeonato até 2030, como foi anunciado pela categoria em novembro. A principal competição de automobilismo do mundo quer ajudar a elaborar o primeiro motor do mundo livre de emissão de carbono. Os detalhes, contudo, ainda são segredo.
Mesmo assim, o Estado teve acesso a documento que revela parte dos projetos da F-1 em seu plano maior de buscar a sustentabilidade de suas atividades. "Acreditamos que a Fórmula 1 pode continuar a ser pioneira na indústria automobilística, trabalhando com a energia e os setores automotivos para entregar a primeira unidade de potência de carbono zero no mundo, derrubando as emissões de carbono pelo planeta", diz Chase Carey, o chefão da F-1.
Confira o guia da temporada 2020
O objetivo da direção da categoria é se aproximar ainda mais da indústria para ampliar a eficiência dos motores híbridos, que passaram a ser adotados em 2014. A mudança foi tal que até alterou o nome deles para "unidades de potência", unindo os velhos motores à combustão a sistemas elétricos mais sofisticados.
"Estimulando o imenso talento, a paixão e a disposição para inovar de todos os membros da comunidade da Fórmula 1, esperamos causar um impacto positivo no ambiente e nas comunidades onde atuamos", afirma Carey, no documento que detalha o projeto de sustentabilidade da categoria.
O plano conta com duas metas, como anunciado em novembro: tornar o evento totalmente sustentável do ponto de vista do meio ambiente até 2025 e neutralizar todas as emissões de carbono relacionadas ao campeonato até 2030.
Desta forma, cada etapa do calendário terá que se tornar sustentável do ponto de vista do meio ambiente até 2025, o que vai exigir a adoção de materiais reciclados e até compostagem. Até o transporte dos fãs até os autódromos deverão passar por mudanças, ao oferecer opções mais "verdes". Os circuitos e as áreas de convivência, como os paddocks, terão que agradar ao público e também à natureza.
Para 2030, as medidas serão mais drásticas, a começar pelos carros, alguns dos mais poluentes do automobilismo atual. Eles deverão se tornar totalmente livres de carbono. É nesta parte que entra o esforço em conjunto com a indústria na busca por motores mais eficientes e sustentáveis.
O objetivo da direção da F-1 é influenciar diretamente os carros comuns, nas ruas e estradas de todos os países. "Em sua história de 70 anos, a F-1 foi pioneira em inúmeras tecnologias e inovações que contribuíram positivamente para a sociedade e ajudaram a combater as emissões de carbono. Poucos sabem que o atual motor híbrido é o mais eficiente do mundo, entregando mais potência com menos combustível e, consequentemente, menos CO2, do que qualquer carro de rua", argumenta Carey.
Curiosamente, as emissões dos motores correspondem a somente 0,7% do total, segundo números do ano passado. Estão aí tudo os que os 20 carros emitem ao longo de um ano, nos testes de pré-temporada, intertemporada e ao fim do campeonato, e nas 21 etapas disputadas em 2019.
O motor não será o único grande desafio na categoria. Atualmente, a maior dificuldade será zerar as emissões causadas pela logística. Ela corresponde sozinha a 45% de um total de 256.551 toneladas de CO2 emitidos pela F-1 em 2019. Essa grande quantidade de gás carbônico foi lançado na atmosfera nas movimentações de todos os equipamentos do circo da F-1, das equipes, fornecedores e da direção, via navio, caminhão e avião.
As viagens das pessoas são o segundo maior emissor de CO2 dentro da F-1. Todas as viagens aéreas e todo o transporte por solo dos funcionários de todos os times, direção e fornecedores correspondem a 27,7% do total. O restante diz respeito a escritórios, fábricas e hospitalidade das equipes e da direção (19,3%); e eventos de transmissão, marketing, divulgação e impacto dos autódromos (7,3%).
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