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Base do Brasil na Copa, Sochi aposta em eventos para minimizar polêmicas

Balneário é permeado de escândalos de corrupção e virou referência para eventos na Rússia de Putin

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Por Jamil Chade
Atualização:

Do início da estrada, a vista dos picos nevados da estação de esqui de Krasnaya Polyana se contrastam com as imagens da praia e palmeiras de Sochi. Foi ali que, em 2014, a cidade organizou os Jogos Olímpicos de Inverno, transformando o balneário também em um destino para esportes como esqui e turismo. Mas para ligar a cidade banhada pelo Mar Negro à neve, a obra viária que foi construída acabaria sendo a estrada mais cara da historia da Rússia. 

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Para fazer apenas 49 quilômetros de trajeto em duas pistas para carros e uma linha de trem, foram destinados US$ 8 bilhões (R$ 26,3 bilhões), mais do que o Brasil gastou para erguer seus estádios para a Copa. “Aproveite a vista. Essa é a estrada mais cara do mundo”, ironizou Ilya, motorista de um serviço de transporte que levou a reportagem do Estado pelo local.

Estádio Fisht custou R$ 2,5 bilhões e a cidade de Sochi nem mesmo tem um time de futebol na primeira divisão do Campeonato Russo Foto: Jamil Chade/Estadão

A estrada liga Sochi a topo de Krasnaya Polyana e, apesar da complexidade de seus mais de 60 túneis e pontes, poucos na cidade conseguem explicar o motivo pelo qual a obra passou de um orçamento inicial de US$ 2,8 bilhões (R$ 9,1 bilhões) para o preço final quase três vezes maior. O contrato não foi sequer aberto para licitação e os trabalhos ficaram com duas empresas, ambos com ligações a aliados do presidente Vladimir Putin. 

A estrada é apenas parte de um esquema que passou a ser considerado como um exemplo do que uma cidade-sede não pode fazer como projeto olímpico. A transparência da obra, e de seus altos custos, nunca foi atestada. 

A CBF decidiu transformar Sochi em sua base durante a Copa do Mundo, apontando para a infraestrutura existente, clima, facilidades entre o hotel e campo de treinamento como principais argumentos e a aparente tranquilidade.

Sochi é, acima de tudo, um projeto pessoal de Vladimir Putin. O presidente russo tem a cidade como seu destino predileto na Rússia e decidiu que voltaria a dar a ela o mesmo status que tinha durante a era Soviética. Por décadas, foi em Sochi que a elite do Partido Comunista era enviada como forma de premiação como atos de bravura. Como muitas cidades da ex-URSS, Sochi chegou ao século 21 ultrapassada e parada no tempo. Para repaginá-la, foram destinados US$ 51 bilhões (R$ 167.7 bilhões) até 2014. Depois disso, mais alguns milhões foram gastos para a Copa do Mundo.

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ESTÁDIO O estádio que será usado para sediar cinco jogos da Copa, o Fisht, custou oficialmente US$ 779 milhões (R$ 2,5 bilhões) e também foi o local de abertura e encerramento da Olimpíada de 2014. Só para retirar o teto que existia para os Jogos de Inverno e adaptá-lo para o uso da Fifa, mais US$ 46 milhões (R$ 151,3 milhões) foram gastos. 

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Ao longo de sua obra, ele viu seu orçamento aumentar em 14 vezes. A construção ficou para a Engeocom, empresa acusada de irregularidades pelo Tribunal de Contas da Rússia. A divisão de investigações da cidade de Sochi também iniciou, em 2012, um inquérito sobre os valores destinados ao estádio. Mas, cinco anos depois, o caso ainda não foi concluído. 

Hoje, a cidade não tem sequer um time de futebol. Ao Estado, o vice-prefeito de Sochi, Sergey Yurchenko, explicou que o objetivo depois da Copa é o de atrair times para disputar grandes jogos no local, além de seleções. “No futuro, não será apenas para o futebol, mas também para entretenimento”, disse. 

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Desde a Copa das Confederações, o estádio não foi usado, sob a justificativa de que teria de se preparar para a Copa de 2018. “Nada ocorre ali”, admitiu. Antes, foram apenas três amistosos. Questionado sobre o orçamento da cidade para a Copa, o vice-prefeito não respondeu.

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Para ele, o investimento na Olimpíada e Copa está compensando. “Adoraríamos ter mais eventos como a Copa”, afirmou. Antes das obras, a cidade recebia cerca de 3 milhões de pessoas por ano. “Hoje, são mais de 6 milhões”, afirmou. “Temos 20 mil pessoas por dia no Parque Olímpico durante o verão e, por ano, temos 250 eventos na cidade”. 

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Mas por onde alguém ande por Sochi, depara-se com uma obra enrolada em polêmicas. Num estudo realizado pelo opositor de Putin, Alexey Navalny, um mapa das empresas que ganharam contratos na cidade revela como eles foram destinados a grupos aliados ao presidente russo. 

No caso da arena de hockey e a pista de bobsled, por exemplo, o valor da obra ficou US$ 260 milhões (R$ 855 milhões) acima dos preços de mercado. Elas foram realizadas por uma empresa de políticos da Sibéria que jamais tinha feito obras para arenas esportivas. Trata-se da Mostovik, que até Sochi tinha construído somente uma ponte em Vladivostok. Ela, porém, é propriedade do deputado Oleg Shilov. 

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A investigação também mostrou que três amigos de longa data de Putin receberam um total de US$ 15 bilhões (R$ 49,3 bilhões) em contratos. Um deles era o parceiro de artes marciais de Putin e um dos homens mais ricos da Rússia, Gennady Timchenko. Outro, Arkady Rotenberg, ganhou sozinho US$ 7 bilhões (R$ 23,7 bilhões) em contratos. 

Também foi beneficiado o instrutor de esqui do ex-primeiro-ministro, Dmitry Medvedev. A empresa que recebeu contratos para fazer uma das pistas de esqui foi a Rosengineering, criada por Dmitry Novikov, da federação de esqui e amigo de Medvedev.

IGREJA 

Até a Igreja Ortodoxa, aliada a Putin, foi beneficiada em Sochi. Putin colocou seu chefe de gabinete, Vladimir Kozhin, para presidir uma fundação que iria recolher doações para renovar a igreja de Sochi. O local, porém, acabou recebendo US$ 15 milhões (R$ 49,3 bilhões)do orçamento olímpico, sob a justificativa de ser um “centro cultural e histórico” da cidade.

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Falar da corrupção hoje em Sochi é um tabu. Nos anos que anteciparam os Jogos, procuradores chegaram a apontar que cerca de US$ 800 milhões (R$ 2,6 bilhões) poderiam ter sido desviados em propinas nas obras. Até hoje, nenhum caso conseguiu avançar.

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A censura imposta pelo governo sobre a imprensa russa também impediu que investigações e a publicação de reportagens fossem realizadas sobre o tema. Um dos poucos que se atreveram a fuçar o que ocorreu na cidade, Boris Nemtsov, acabaria assassinado em Moscou em fevereiro de 2015. Crítico de Putin, Nemtsov se debruçou sobre os contratos do Kremlin na cidade ao Sul. Em 2009, ele foi derrotado nas eleições para a prefeitura de Sochi e denunciou fraude na votação que elegeu Anatoly Pakhomov, outro aliado de Putin.

Com o material que ele colheu, porém, chegou à conclusão que o dinheiro para transformar Sochi em um centro do esporte e do prestígio de Putin seria suficiente para realizar 3 mil quilômetros de estradas ou construir 800 mil casas para os russos.

Zhanna Nemtsov, filha do opositor, contou ao Estado que seu pai já temia por um atentado quando suas revelações sobre a corrupção em Sochi começaram a surgir. “A propaganda do Estado russo cria uma atmosfera no país onde crimes como o do meu pai passam a ser considerados como possíveis”, disse.

No dia 26 de maio de 2015, ela decidiu abandonar sua vida em Moscou e se mudou para a Alemanha, onde passou a ser apresentadora de um canal público, criou uma fundação pela liberdade de expressão e, com seu trabalho, vem acumulando prêmios de governos e entidades. 

Os casos de suspeita de corrupção chegaram a repercutir no COI. Antes dos Jogos de 2014, o delegado da entidade, Gian Franco Kasper, declarou que um terço do orçamento dos Jogos tinha desaparecido. Sua crítica foi imediatamente respondida por Vladimir Yakunin, presidente da empresa ferroviária do país e que era uma das principais construtoras das obras. “Ele deve ser julgado pelo que disse”. 

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Em resposta à reportagem do Estado, o Comitê Organizador da Copa do Mundo de 2018 indica que todos os gastos do Mundial são “monitorados pela Câmara de Auditoria da Federação Russa, que acompanha e revê o trabalho feito sob os auspícios das autoridades federais, regionais e municipais”.

Questionado sobre as acusações relativas às obras na cidade, o Comitê indicou que “desconhece e não está em posição para comentar qualquer alegação feita sobre a Olimpíada de 2014”. Os organizadores, porém, indicam que Sochi sempre fez parte da candidatura, desde 2009.“Uma das principais razões para se incluir Sochi na Copa obviamente foi o fato de que uma parte substancial das instalações das Olimpíadas poderiam ser usadas de forma eficiente para o Mundial, ampliando ainda mais o legado olímpico”, disse. “O resultado é que o orçamento para a região de Krasnodar chega a 10,2 bilhões de rublos (US$ 180 milhões), o menor entre todas as onze regiões sedes da Copa”. 

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