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Bandeiras com mastro vão voltar nos estádios de SP? Entenda negociações

Após 25 anos, importante elemento da festa das torcidas organizadas pode retornar às arquibancadas, mas decisão vai exigir protocolos, vigilância e não será imediata; torcida única permanecerá nos clássicos estaduais

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Por João Abel
Atualização:

As fitas de arquivo são a prova histórica. Houve uma época em que os clássicos paulistas tinham torcida dividida e as organizadas balançavam imensos bandeirões, criando um espetáculo à parte em cada jogo. Em 1996, tudo mudou e eles passaram a ser proibidos no Estado de SP. Agora, uma nova rodada de negociações pode colocar fim a esse impedimento.

Usadas nas festas de rua, as bandeiras com mastro não entram em estádios paulistas desde 1995 Foto: Alex Silva/Estadão

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Em uma reunião que durou cerca de duas horas na sede do Centro de Operações da Polícia Militar de São Paulo (COPOM-SP), líderes de organizadas do Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Santos e Ponte Preta conversaram com o comando da Polícia e outras autoridades. “Foi a primeira vez que houve um encontro entre torcidas e o comandante-geral da PM”, exalta o ouvidor da Polícia, Elizeu Lopes, responsável pela mediação.

Além do comandante-geral Fernando de Alencar, estiveram presentes Raul Godoy Neto, delegado de Polícia de Repressão aos Delitos de Intolerância Esportiva (DRADE), o promotor Arthur Lemos, o delegado Cláudio Latorraca, da Comissão de Direitos Humanos da OAB e Maria Cristina Megid, diretora técnica do Centro da Vigilância Sanitária Estadual.

Os bandeirões vão voltar? O caminho está aberto. Mas não pense que vamos vê-los nos estádios já no retorno do público, que foi confirmado na Série A do Brasileirão para o próximo fim de semana. Houve consenso entre todas as autoridades em atender a essa demanda específica das torcidas, mas desde que protocolos de controle sejam cumpridos.

Os bandeirões, por exemplo, seriam guardados no próprio estádio, em vez de voltar à quadra das organizadas após as partidas. Eles deverão ser numerados, com tamanho padronizado e ter uma pessoa física responsável por cada um deles. Todos os detalhes desse sistema rigoroso de controle devem ser definidos em reuniões ainda sem datas confirmadas, segundo o ouvidor.

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Protocolos das bandeiras serão acertados entre polícia e torcidas Foto: Filipe Araújo/Estadão

Para Jorge Luiz, presidente da Mancha Alviverde, principal organizada do Palmeiras, o período sem público nos estádios foi importante para analisar e refletir sobre o papel das torcidas. “O que percebemos é que a gente teve mais liberdade para fazer festa sem pessoas no estádio, colocando bandeiras, faixas, decorar, embelezar, do que quando tinha público. E não pode ser assim. Nós queremos mostrar para as autoridades que é isso que a gente sabe fazer: festa”.

Apesar do avanço do último encontro, o histórico de ‘vai-não-vai’ desse tipo de negociação entre PMs e torcidas joga contra.

O presidente da são-paulina Dragões da Real e diretor da Associação Nacional das Torcidas Organizadas (Anatorg), André Azevedo, lembra que em outras oportunidades já houve tentativas de mudar a lei que proíbe o uso de hastes nas bandeiras. Mas sem sucesso.

“Esse trâmite já rolou por diversas vezes, deve ser a terceira ou quarta vez e sempre esbarra em algum ponto. Teve uma oportunidade que chegou à mesa do governador e ele vetou porque dias antes havia rolado uma briga de torcidas”, diz Azevedo.

Ou seja, toda essa abertura para a volta de uma festa grandiosa nas arquibancadas também vai depender do comportamento das torcidas. Um passo errado e o aperto de mãos da última reunião pode se desfazer.

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Por que os bandeirões foram proibidos? Para entender por que a festa das torcidas em São Paulo passou por tantas limitações, é preciso voltar ao dia 20 de agosto de 1995, quando Palmeiras e São Paulo se enfrentaram na Copa São Paulo de Futebol Júnior. Uma briga generalizada, com direito a invasão do campo, provocou a morte de um torcedor e deixou 102 feridos.

“Nadamos em sangue naquele dia”, relembrou a médica Ana Maria Visconti, em entrevista ao Estadão no ano passado. Vale ler completa clicando aqui.

Torcedores se armaram com entulho das obras da construção para agredir os rivais Foto: DJALMA VASSAO/AE

O episódio foi a gota d’água para as autoridades e remodelou a forma como os torcedores uniformizados são tratados no Estado.

A estratégia passou a ser de choque e pouca tolerância: repressão a brigas, que acabaram se espalhando para outras regiões longe dos estádios, casos levados ao Ministério Público e carga de ingressos para visitantes reduzida — até ser extinta em clássicos em 2016. Além da lei 9.470, de dezembro de 1996, que proibiu, entre outros objetos nos estádios, as bandeiras com hastes.

Organizadas querem punições individuais. Outra demanda apresentada pelas torcidas na reunião da última segunda é a responsabilização de quem cometer atos criminosos. Há um entendimento que a Polícia se preocupa em punir as agremiações e suas diretorias em vez de enquadrar individualmente torcedores que participam de brigas e atos violentos.

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Na avaliação de Azevedo não se pode contar apenas com punições internas. “Há uma crise de hierarquia muito grande nas torcidas. Você acha que o torcedor jovem respeita um presidente de organizada? Muitas vezes não respeita nem o pai e a mãe”, analisa o diretor da Anatorg.

“Você precisa ir atrás de quem comete os crimes. Não da torcida como instituição. Já teve caso em que indiciaram um cara que estava na Austrália, e não tinha nada a ver com o ocorrido, só porque ele era parte da diretoria da torcida”.

“Quando alguém mata outra pessoa, isso não é um torcedor organizado. É um assassino. As torcidas entendem que morte não pode existir. De forma alguma. A gente tem que estar unido para barganhar nosso direito de torcer com as autoridades”, acrescenta Jorge Luiz, líder da Mancha.

Torcida única segue valendo. Um desejo das torcidas que não está nem perto de ser concretizado é o retorno dos visitantes em clássicos paulistas. O decreto que ordenou a torcida única nos grandes jogos do Estado vai seguir sem qualquer mudança pelo menos até o fim de 2022.

São os ‘bons resultados’ da torcida única, na visão da PM, que inclusive garantem a possibilidade da volta dos bandeirões. O efetivo policial e as ocorrências próximas aos estádios diminuíram, ainda que bem longe deles a violência siga a mesma ou até maior.

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Corinthians x Palmeiras, no Paulistão 2016, foi o último clássico com a presença das duas torcidas em SP Foto: Alex Silva/Estadão

No fundo, para os torcedores, vale à pena perder um pouquinho aqui, com a proibição de ir aos jogos como visitantes, mas ganhar um pouquinho acolá, com a possibilidade de fazer uma maior festa como mandante. Esse é o acordo implícito e parece razoável para todo mundo no momento.

Aliás, o que se ouviu nos bastidores é que poucas vezes uma reunião entre PMs e torcedores foi tão consensual. O desejo é que o título do encontro, batizado de ‘Dê Uma Chance À Paz’, se concretize na vida real. Mas sabemos que os obstáculos são grandes.

Ainda assim, a ‘linha de frente’ das torcidas parece um pouco mais convergente. Mancha e Gaviões, por exemplo, reabriram um diálogo que não existia há mais de uma década.

“Durante a pandemia, muitas pessoas das torcidas organizadas morreram, as autoridades também perderam parentes. Então há um consenso de que a gente precisa voltar aos estádios fazendo festa, celebrando a oportunidade de estar ali”, diz o mandatário da torcida palmeirense.

Pelas redes sociais, a Gaviões da Fiel celebrou a possível volta dos bandeirões, exaltou a reunião da última segunda e ressaltou: “A festa nas arquibancadas é um direito nosso e iremos até o fim”.

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